Contato com a internet é prejudicial à cultura indígena?

por – Guilherme Teixeira Ohl de Souza – Psicólogo componente do NPPI

O processo de inclusão digital no Brasil já vem ocorrendo há alguns anos. Os incentivos oficiais a esse processo ainda são incipientes, e o governo ainda tem uma visão muito restrita do conceito de inclusão digital, mas sua atenção para essa necessidade vem crescendo ao longo do tempo.

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Deficientes físicos, idosos e pessoas de comunidades carentes vêm conquistando maior acesso à internet e aos seus benefícios.

Dentre os grupos à margem da vida digital estão os indígenas. A maioria das aldeias ainda não está conectada e têm muitas dificuldades de acesso. Algumas já usam a internet para fins burocráticos, como aquisição de documentos, acesso esse geralmente encontrado nos postos da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) ou também da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde).

Além de pouco suporte, problema comum encontrado em iniciativas diversas do governo, os índios ainda têm questões peculiares a serem enfrentadas. Muitas aldeias, especialmente no norte do Brasil, na Amazônia, têm acessos muito restritos, dificultando e encarecendo a logística de equipamentos e profissionais.
Existem ainda problemas de ordem cultural e social. A introdução e o uso irrefletido de inovações e elementos culturais estranhos às tribos tendem a desestabilizar o equilíbrio político e das relações entre seus membros. Isso não quer dizer que nada pode vir de fora, mas que, caso esse elemento cultural tenha algum aspecto benéfico, é preciso haver uma adaptação desse elemento ou da tribo para recebê-lo (ou ainda uma adaptação de ambos).

A internet não foge dessa lógica: para que ela possa ser inserida, é preciso que haja um projeto direcionado às necessidades coletivas e que os aldeões e suas lideranças estejam envolvidos e saibam como utilizá-la de maneira positiva. Para isso, é preciso que autoridades e professores indígenas se apropriem dessa ferramenta para poder compreendê-la e avaliá-la, reconhecendo e diferenciando o uso benéfico do nocivo. A partir daí, é possível montar um plano em que a internet sirva como um recurso para o aumento da autonomia e proteção da aldeia, sem deteriorar sua harmonia social.

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Entre as experiências nas quais se tentou apenas fornecer equipamento de informática, há frequentes relatos de abandono do mesmo por falta de capacitação ou falta de manutenção. Também há relatos de jovens usando o computador e deixando de realizar tarefas diárias e de participar da vida comunitária.

Um projeto bem-sucedido é o dos índios Suruí (ou Paiter, segundo o próprio idioma), chamado Plano Suruí 50 anos, que consiste em diversas ações na preservação ambiental, na comunicação dessas ações e também de sua cultura e história. Há inclusive uma parceira com o Google para divulgar este plano, além de fornecer outros recursos, como capacitação para medição de biomassa e posterior comércio de créditos de carbono. É uma demonstração de como a tecnologia pode ajudar os povos indígenas.

Com certeza muita gente vai perguntar se esse contato com nossa sociedade, especificamente com a internet, não seria danoso aos índios, como muitas vezes ele realmente foi, e se a WEB não contaminaria “a pureza cultural” indígena.

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Bem, a cultura não é um bem em si, mas um conjunto dinâmico de fazeres e saberes que se transformam ao longo do tempo e das ações humanas. Além disso, as sociedades humanas sempre praticaram intercâmbio cultural e comercial, absorvendo elementos culturais de outras sociedades e fornecendo seus próprios a elas. Essa troca frequentemente reforçou sua integridade e sua continuidade.

É preciso superar a mentalidade que opõe natureza e cultura, que diz que os povos que vivem na selva são incapazes de absorver conhecimento e tecnologia ou que esses são necessariamente danosos aos povos e ao meio ambiente. Eles são benéficos, desde que bem implementados.

Para o leitor interessado neste assunto, podemos indicar as seguintes páginas:

– 1º Simpósio Indígena sobre Usos de Internet nas Comunidades Indígenas do Brasil:
http://www.usp.br/nhii/simposio
– Página do povo Paiter (Suruí):
http://www.paiter.org
– Índios On-line: página criada por tribos de diversas etnias pra divulgação de questões indígenas:
http://www.indiosonline.net