Por que autossuperação não combina com conforto?

por Renato Miranda

Em algumas entrevistas com técnicos e atletas de alto nível muito se escuta sobre evitar a “zona de conforto” para não fracassar diante os desafios. Algumas pessoas me perguntam o que realmente significa essa expressão.

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Não sei se o que eu entendo sobre o tema é o mesmo que esses desportistas querem dizer, mas acredito que tenha alguma correlação.

Primeiramente é bom lembrar que o resumo de nossas vidas é justamente resolver problemas. Em qualquer etapa da vida estamos de algum modo, resolvendo algum tipo de problema. Desde os mais rudimentares como matar a sede e fome até os mais sofisticados, como aprender um novo idioma.

É claro que muitos desses ditos problemas sofisticados são reconhecidos como desafios para realizações e cumprimentos de metas pessoais e profissionais.

No esporte essa ideia é bastante peculiar: há sempre que progredir e os desafios são cada vez mais exigentes. Em consequência, esforço constante é parte de uma árdua rotina.

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Acontece que quando se atinge certo nível de desempenho, somos impulsionados para uma situação de acomodação e nos damos por satisfeitos com aquilo que conseguimos controlar. Em poucas palavras, sempre estamos a procurar o controle de algo que temos que fazer. Quando conseguimos obter o pretendido controle a tendência é a acomodação.

O esporte competitivo (principalmente o de alto nível) tem em sua natureza exigir cada vez mais daqueles que almejam as grandes conquistas. E grandes conquistas são de fato grandes desafios. E diante de grandes desafios o atleta pode sentir-se fora do controle e fracassar.

O atleta se realiza ao manter controle da situação em determinado nível, portanto se esse almeja progredir terá que enfrentar novos desafios e situações em que ainda não domina (controle!). E evoluir exige essa “ameaça” constante – enfrentar algo que não se controla.

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Não obstante, muitos atletas para não perderem o controle de seu próprio desempenho, mantêm certo nível de realização e se esforçam até certo ponto para se obter boas chances de sucesso.

Essa é uma estratégia cômoda para o atleta se sentir tranquilo, o problema é que essa acomodação não proporciona desenvolvimento pessoal. No esporte como em qualquer outro setor, não é possível atingir progressos sem correr riscos (fracasso, decepções, desgastes físicos e pessoais, enfrentamentos de diversas dificuldades etc).

Fio da navalha

No alto rendimento esportivo o atleta que deseja ter sucessos significativos estará sempre (como diz *CSIKSZENTMIHALYI) “no fio da navalha” da atuação. Observe como disputas em campeonatos mundiais e jogos olímpicos são decididos em frações de segundo ou em um único ponto.

O atleta que se dispõe a estar “no fio da navalha” é aquele que suas habilidades são sempre desenvolvidas e compatíveis com novas exigências, ou seja, habilidades fluídas e capazes de mudar. O atleta que prefere sentir-se cômodo em um nível de controle sugere perda de desempenho com o passar do tempo.

É importante ressaltar que a busca por grandes desafios não pode ser uma atitude intempestiva e sem avaliação. É preciso sempre buscar um ponto de equilíbrio, entre desafios e as habilidades capazes de enfrentá-los. A maneira prática de equacionar tal situação é a percepção que o atleta tem daquilo que ele supostamente ainda não consegue controlar, é apenas uma questão de tempo.

E a melhor preparação para enfrentar grandes desafios e, por conseguinte, obter grandes realizações, é aumentar as habilidades físicas e psíquicas e desafios como um espiral, em que o movimento gradual de uma parte (desafios) sugere o aumento da outra parte (habilidades).

Talvez seja por isso que o desempenho em alto nível exige superação constante e superação não combina com conforto.

* MIHALY CSIKSZENTMIHALYI: psicólogo húngaro autor da teoria do flow-feeling.