Pego no sono a qualquer hora…

por Regina Wielenska

Como é seu sono? Já fiz essa pergunta a tantos clientes do consultório… Sou psicoterapeuta e não trabalho num laboratório especializado em pesquisas sobre o sono ou no tratamento de seus distúrbios. Por que, então, meu interesse nisso?

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Em primeiro lugar: a qualidade de vida, psicologicamente falando, depende, entre outros aspectos, de repousarmos bem, em qualidade e quantidade, para se ter prazer no cotidiano e obter desempenho satisfatório nos diferentes domínios da vida. Alterações do padrão de sono podem sugerir a presença de transtornos psiquiátricos, neurológicos e endocrinológicos. Do ponto de vida ambiental, nosso sono pode se alterar por mudança de fuso horário, chegada de bebê na família, uso abusivo de televisão ou internet, preocupações diversas, álcool em excesso e uma infinidade de outros fatores.

Se o cliente relata dormir mal, geralmente peço que ele passe por uma avaliação médica, de forma a excluir ou detectar problemas de saúde que escapam do terreno próprio da psiquiatria e psicologia.

Mas o que é dormir bem?

Primeiro: é acordar descansado, com a sensação de que o sono foi reparador. Neste caso, a pessoa tem energia suficiente para dar conta das atividades cotidianas. Vai sentir sono ao final da jornada, e acabará dormindo sem intercorrências maiores. Há quem tire uma soneca leve após o almoço, à moda dos espanhóis, e dados recentes apontam o que a tradição já sinalizava: uma “siesta” pode ser excelente, desde que não signifique adormecer ou permanecer deitado por mais de 45 minutos.

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De vez em quando um paciente afirma dormir superbem, acrescentando que a qualquer hora que encoste a cabeça no travesseiro, pegará no sono de imediato, em busca de repouso por horas seguidas. Talvez essa mesma pessoa se mostre capaz de adormecer no sofá ou no cinema, mesmo querendo muito assistir a um filme. Pior ainda, já dormiu ao volante, felizmente durante o semáforo fechado para carros. Ei, tem que haver algo de errado ai! Sonolência excessiva dispara meu alarme clínico.

Sonolência excessiva

Em termos gerais, os principais problemas são:

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• sono não repousante, mesmo após 10 horas de sono; quem sabe, por exemplo, essa pessoa sofra de apneia do sono e desperte várias vezes por hora a noite inteira (isto pode ocorrer mesmo sem ter consciência disso) ou faça uso de álcool, substância propícia a um adormecer rápido e garantia de um sono com péssima qualidade;

• dificuldade para iniciar o sono: assolado por pensamentos sombrios acerca do passado ou futuro, quem consegue relaxar e dormir? Um quarto invadido pelo barulho das buzinas e exposto à luz dos faróis dos carros não ajuda ninguém. Pode ainda ser que essa pessoa seja acometida por uma condição médica denominada “síndrome das pernas inquietas”;

• sono entrecortado: insone no meio da noite, pode ter dor nas costas, problemas urinários, preocupações objetivas ou subjetivas que dominam sua mente e criam uma competição com o estado necessário de descontração física e mental para voltar a dormir;

• despertar precoce: suponha que a pessoa planejou acordar por volta das 7 horas e às quatro da madrugada sente que o sono acabou, o sujeito se vira na cama feito filé na chapa, seus olhos parecendo dois ovos fritos, vira um arremedo de bife a cavalo! Consegue dormir de novo quando o despertador está prestes a cumprir seus propósitos. Hora de levantar e enfrentar o dia com débito de 3 horas de sono.

Minha descrição não abordou fenômenos (menos frequentes, é fato, mas igualmente desagradáveis) como falar dormindo (sonilóquio), pesadelos recorrentes, terror noturno, manifestações de epilepsia, paralisia do sono e outros, uma série de quadros estudados por especialistas, mas que escapam aos meus conhecimentos e aos objetivos do presente artigo.

Médicos e terapeutas podem e devem ajudar seus pacientes a investigar o que se passa, para cada problema haverá uma conduta a seguir, seja cirúrgica, farmacológica ou psicológica/comportamental, envolvendo mudança de hábitos, a prática de relaxamento, entre outras intervenções. Nos grandes centros há clínicas do sono, com equipes multiprofissionais, e equipamentos capazes de diagnosticar o que acomete cada insone ou hiperssone e prover o melhor tratamento.

OK, podemos ter condições clínicas que prejudiquem nosso sono, mas nem sempre é esse o caso. Ainda bem. Muito do que fazemos ou deixamos de fazer contribui para a qualidade do sono. Quais práticas, ao alcance de todos, propiciariam um sono repousante, que nos ajudasse a bem conduzir o dia que se segue?

Horas de sono: não há um número mágico, há dormidores curtos e longos. Oito horas é apenas a duração média de uma noite repousante. Mas cada um precisa descobrir quanto de sono lhe faz bem, na justa medida, vale qualquer valor entre cinco e onze (horas, é óbvio). Pesquisas afirmam que bebês e adolescentes precisam dormir mais do que crianças, adultos e idosos. Quem consegue desplugar um adolescente da TV, celular e computador tarde da noite merece condecoração.

Vitimados pela própria leniência frente aos abusos dos jovens, os pais são encarregados de arrancar a prole da cama de manhã cedo, para depositá-la aos cuidados de professores, que terão à sua frente uma audiência de desatentos zumbis ou deslavados roncadores. Como aprender, se o sono é insuportável? Ah, esqueci que para se manter desperto alguém bota na cabeça que funciona tomar doses cavalares de café ou refrigerante do tipo cola. Dou um doce pra quem me provar que cafeína e congêneres estão à altura de uma boa noite bem dormida.

Uma das formas de memória, aquela responsável pela consolidação de informações novas, depende de uma noite de sono para ocorrer do modo esperado. Hoje eu estudo e aprendo algo, depois eu durmo bem e amanhã provavelmente estarei com a memória da matéria ensinada fresquinha na cabeça.

Local: para assegurar o sono de qualidade, ninguém precisa de uma suíte em hotel cinco estrelas e muito menos de um colchão de cinco mil reais acompanhado por lençóis de algodão egípcio. Mas bem que nos ajuda dispor de um quarto arejado, na temperatura confortável, colchão que se ajuste ao corpo (nem duro como pedra e nem cheio de irregularidades), travesseiro na altura apropriada, apoio para o joelho dos que dormem de lado, um lençol agradável, cobertas leves, silêncio, proteção contra luminosidade, aparelhos eletrônicos desligados…

Contexto favorecedor: cair na cama logo depois da balada, com o zumbido da discotecagem ainda reverberando na cabeça, roupas grudadas pelo suor e muito álcool circulando pelo corpo vai dar problema, certo? Como fazemos no caso de crianças pequenas? Vamos, aos poucos, “desligando” da criança o que a mantém acordada. Banho morno, pijama, leite quente, TV desligada, sem brincadeiras agitadas, escovação dos dentes, ouvir estória na cama, com a luz suave, um urso de pelúcia para servir de companhia.

Serenidade no meio externo, rituais apaziguadores e redução gradual do que é estimulante, eis a fórmula. Serve para humanos de qualquer idade. É só questão de moldar esse pacote ao perfil de cada um. Infusão de ervas ou leite? Poesia, palavras cruzadas, canções de Edith Piaf ou música erudita? Oração, relaxamento, exercício de mentalização ou meditar um pouco? Massagem nos pés: próprios ou alheios?

Insônia

Em caso de insônia: primeiro convém fazer a pergunta óbvia, ou seja, “O que está me afetando?”. Se resposta houver e for algo que se possa resolver na hora, perfeito. Caso nada de específico seja encontrado, vale a seguinte regra: se a insônia ocorreu no início da noite, permaneça ao menos trinta minutos na cama para daí concluir que o sono não vai voltar tão cedo. Se o problema rolar no meio da noite, quinze minutos são o suficiente. Mas para que esse prazo? Se não conseguiu dormir, ponha-se para fora da cama!

Do contrário, corre-se o risco de condicionar a aprendizagem de que a cama é lugar onde ruminamos pensamentos desagradáveis, virando de um lado para o outro, sem sabe bem por qual motivo. Ao levantar, faça algo leve e não muito estimulante para as funções mentais. Talvez arrumar a gaveta de meias ou ouvir música suave, folheando revistas, escolha o que estiver à mão. É provável que o sono volte, tente ainda um chá de ervas ou beba leite.

Horário de dormir: do ponto de vista evolucionário, não faz tanto tempo assim que o bicho homem passou a dominar o fogo, e menos ainda, a ter luz elétrica em casa. Nosso cérebro aprendeu que escuro é para dormir e luz do dia é para aproveitar a vida. A filogênese não previu os plantões médicos, a necessidade dos coletivos circularem 24 horas por dia e 7 dias por semana (para azar dos motoristas), o funcionamento do CEASA na madrugada e nem o advento das redes sociais virtuais. Então convém acordar e dormir “cedo”.

Na medida em que há diferenças individuais, moldadas por características biológicas e hábitos de vida construídos ao longo dos anos, acordar às seis pode ser ótimo para alguém e um tormento para outra pessoa, que fica feliz dormindo da meia-noite às nove. Então, que ao menos a gente busque regularidade no horário, mesmo no fim de semana. Sabem aquele desespero e cansaço que acomete o Garfield às segundas? Em parte, ele se deve aos abusos no final de semana e ao desregramento de horários.

Bem, está na hora de encerrar esta escrita, o carrilhão daqui de casa vai tocar à meia-noite e quero ouvir as badaladas já em meio aos lençóis. Até a próxima vezZZZZZZZ.