Justificativas para comportamento violento de familiar adiam resolução de problema

por Regina Wielenska

Ele só fica agressivo quando bebe… Quem já não ouviu esta frase, dita por uma mãe, comentando o dia em que o filho bateu nela e quebrou tudo em casa, ou o lamento de uma esposa, depois de precisar do pronto-socorro porque apanhou e teve costelas quebradas…

Continua após publicidade

O alcoolismo, entre muitos outros, é um exemplo recorrente de violência doméstica. O foco deste texto não é o alcoolismo em si, apenas pego-o como exemplo para explicar um padrão de comportamento abusivo ou violento justificado por x ou y razão para depois tudo terminar em pizza, numa escalada da violência.

Parece que explicar o comportamento agressivo desse modo (ele só fica agressivo quando bebe…), além de descrever uma das condições determinantes da agressividade (ou seja, a ingestão de álcool), também serve para justificar o comportamento e predispor ao perdão do comportamento transgressor. Seria como se a responsabilidade pelo ocorrido fosse da garrafa e de seu funesto conteúdo, e não da pessoa que cometeu a agressão sob efeito da bebida.

O álcool, de fato, exerce vários efeitos sobre as pessoas, a depender das características de cada organismo, da quantidade ingerida, do tempo de consumo, entre outros fatores. Um dos possíveis efeitos é a chamada desinibição dos impulsos. Isso significa que comportamentos inadequados, agressivos e de risco (por exemplo, paquerar a esposa do chefe, arranjar brigas sem motivo ou por razões torpes e dirigir perigosamente) podem mesmo se tornar mais prováveis quando alguém está alcoolizado, se compararmos sua frequência ao estado de sobriedade etílica daquela mesma pessoa.

Esposas, mães e namoradas ficam confusas com o comportamento tipo Dr. Jekyll and Mr. Hyde (O Médico e o Monstro ou O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde é a obra em que o escritor escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894) aborda as duas faces de um homem, como médico e misantropo).

Continua após publicidade

No caso de em que uma pessoa comete agressões apenas quando bebe, a família pode se sentir dividida frente à ocorrência de comportamentos socialmente aprovados emitidos em estado de sobriedade e os atos agressivos na hora das bebedeiras. Muitos dos alcoolistas pedem mil perdões, juram que aquilo nunca mais se repetirá, presenteiam com flores, buscam formas de reparar os danos e parecem mesmo ter tomado jeito. Até que recaem. E aí os danos novamente acontecem, corações e corpos são feridos.

A alternância entre um comportamento desejado pela família (e, muitas vezes, também pelo alcoolista) e a agressividade facilitada pelo álcool acaba por fortalecer a tolerância familiar frente aos problemas. A justificativa é “Ele, no fundo, é bom. Só precisa de uma chance”. Isso dificulta impor limites e discutir consequências claras para os abusos alcoólicos. Com a repetição dos episódios de bebedeira, quem sofre mais é a família, que fica diretamente exposta a situações vexatórias e perigosas.

Cinco sugestões para lidar com comportamentos abusivos:

Continua após publicidade

1º) Reconhecer que se tem um problema de relacionamento e que a agressividade, seja física ou verbal, precisará ser interrompida. Entender que explicar o comportamento do outro não bastará. Justificativas não resolvem problemas, faz-se necessário assumir que há um descontrole, que não se pode arriscar mais, que tudo pode piorar se nada for feito.

2º) Olhar qualquer problema de frente requer que se acolha compassivamente a dor e outras emoções difíceis que a situação gera. Há que se superar a vergonha e o medo e buscar amparo psicossocial e ou jurídico, conforme o caso. Precisamos cuidar de nossa tendência a achar que, sozinhos, daremos conta de situações como a que descrevemos aqui. A família precisaria impor limites consistentes para um comportamento abusivo, fazer uso de muita firmeza e, ao mesmo tempo, buscar ajuda para tratamento. Faltam vagas na rede pública, as listas de espera são grandes, a rede é limitada. Somente com muita persistência pode-se encontrar um serviço de saúde capaz de ajudar, por exemplo, uma esposa ou família em condição de risco. Delegacias da mulher, do idoso e centros de apoio a pessoas expostas à violência doméstica podem ser locais de referência.

3º) O tratamento do indivíduo violento apenas funciona quando o paciente está engajado no processo de modificação desse quadro, a participação da família pode ser muito importante. Novas formas de relacionamento assertivo e de manejo das dificuldades precisam ser aprendidas (estabelecer acordos entre as partes sobre como agir frente a um novo episódio de agressividade, às vezes sair de perto pode ser sábio, por exemplo), aprender isso leva tempo e dá um trabalho enorme.

4º) A tendência da maioria das pessoas é de achar que conseguirão dar conta de mudar o comportamento agressivo de alguém, enxergam na pessoa um potencial para fazer atos de bondade e se agarram a essa possibilidade com todo o fervor ("Ah, no dia seguinte ele se arrependeu, me mandou flores, prometeu que nunca mais isso vai acontecer…"). Muitas vezes os familiares negligenciam o risco, apostam que no final tudo se acerta. Foi assim que muitas vidas foram ceifadas. “Ele jurou que agora muda de vez”, esta é a frase na qual se prefere crer. Mais ou cedo ou mais tarde a tragédia se sucede. Ocorre, então, uma agressão grave, ou até um homicídio, uma dor sem fim que destrói a vida de tanta gente. O autoengano precisa cessar enquanto há tempo. Planejar ações viáveis conforme as especificidades de cada caso, dar limites claros para si ou para o outro, agir compassivamente e com doçura, tudo isso ajuda. Não se pode tapar o sol com a peneira.

5º) A qualquer desacerto (recaídas, por exemplo) ao longo do tratamento recomenda-se reavaliar calmamente o que se passa e ajustar as arestas. O foco é na promoção de mudanças capazes de prevenir outros episódios de agressividade. Passada a crise aguda, a hora é de buscar mais recursos para seguir na direção de valores como respeito ao próximo, amor bidirecional, sinceridade etc.