Entenda de uma vez por todas a relação entre dharma, karma e samsara

por Gilberto Coutinho

Num passado longínquo, sábios (rishis) da Índia compreenderam a maneira mais fácil e perfeita de se conectar com o universo: “agir de acordo com as próprias leis da natureza”.

Continua após publicidade

Dharma é um termo sânscrito, provém da raiz “dhr”, “levar”, “suster”, “portar”, e significa “suporte”, “aquilo que sustém, mantém unido ou elevado”. Dharmah, “religião”, “código de vida”, “modo de bem viver”, “dever ou obrigações”. Dharmam, “doutrinas”.

Dharma é a lei universal da natureza, que se expressa em cada ser e, simultaneamente, em todo o universo, através de sua influência constante e cíclica; a justiça ideal que faz com que as coisas sejam o que elas são, ou o que devam ser. É um dos principais conceitos do Hinduísmo, Budismo e Jainismo. É o princípio da verdade que mantém todas as coisas animadas e inanimadas em harmonia, favorecendo o crescimento e o desenvolvimento espirituais.

Dharma aponta para os fundamentos da lei universal na qual os pensamentos, sentimentos e as ações humanas devem basear-se para obter apoio do universo. Os hindus a chamam de Sanatana Dharma, ou “eterna lei da verdade”, sugerindo que a tradição da lei natural não é limitada pelo tempo, espaço ou pessoa.

Para os budistas, Buddha Dharma é o caminho natural para a iluminação. Uma vida centrada no dharma é o alicerce necessário para se vivenciar a filosofia yogue e a base de todos os tratamentos ayurvédicos. Dharma também é a capacidade de prestar serviço, o que consiste numa das qualidades essenciais dos seres humanos. Portanto, cada pessoa deve conscientizar-se de seu dharma e realizá-lo da melhor forma possível.

Continua após publicidade

Outra maneira de conectar-se com a mente do universo se dá através da prática diária do yoga, do cultivo do silêncio interior, da meditação (dhyana), reconhecendo a verdadeira natureza que jaz em seu próprio ser (quando alguém reconhece a sua própria natureza interior, está praticando yoga); desligando-se dos sentidos (pratyahara) e das coisas mais próximas ao seu redor, aproveitando o tempo para experimentar o silêncio, nele se concentrar, e apenas existir.

Muito antes do físico, matemático e astrônomo inglês Isaac Newton (1642-1727) ter estudado e descrito brilhantemente uma importante lei da física, “Ação e Reação”, os sábios e yogues da antiga Índia já a haviam observado na natureza e, inclusive, preocupavam-se com os frutos das ações humanas e filosofaram profundamente a respeito disso.

A mais importante lei dhármica é o karma (da raiz “kr”, “fazer”, “ação”, “rito”, “execução), significa “ação” ou “atividade”. É a lei da ação e reação, de causa e efeito. Sir Newton descreveu metodologicamente uma lei física, enquanto que esses antigos sábios e yogues foram capazes de descrever filosoficamente algo ainda mais sutil, uma lei que além de física é também espiritual.

Continua após publicidade

Da forma como se age, experimentam-se os frutos das próprias ações, não apenas na vida presente, mas também em vidas futuras. Existe uma infinita justiça no universo que se manifesta através de inúmeras vidas ou encarnações, não apenas instantaneamente. Para os yogues e hindus, nenhum débito fica sem ser pago no universo. Os frutos das ações kármicas podem restringir a consciência (chit), conduzi-la a um estado de aprisionamento, estagnação, ignorância (tamas), miséria, apego e doenças, o que confere intranquilidade à mente (chitta ou manas), sofrimento, e aprisioná-la em conquistas efêmeras.

Pode-se imaginar alguém jogando uma pedrinha na superfície de um lago imóvel, cristalino e sereno, observando as ondulações que ela produzirá, quando atingir a sua superfície; isso reflete a “lei de ação e reação”. Também, quando se busca aquietar a mente e se concentrar, e uma ideia ou pensamento aflige a mente, isso poderá produzir (dependendo da identificação ou não com esse pensamento) inúmeras modificações mentais.

Então, deve-se persistir na concentração até que a mente se torne completamente serena, livre das interferências dos pensamentos. As ações humanas têm um significado além do que se pode ver na superfície. Toda ação produzirá uma energia que retornará ao seu progenitor. Colhem-se os frutos que se plantam. Quando alguém opta e realiza ações que favorecem a natureza, os animais, a justiça, a felicidade e a prosperidade de outras pessoas, essas ações acabam tornando-se parte dessa pessoa e ela, também, torna-se realizada, próspera e feliz.

Ao se relacionar, uma pessoa terá que dar de si mesmo, precisará valorizar e compreender o seu próximo. Todos os dias os seres humanos executam inúmeras ações sutis que acabam influenciando enormemente o que a vida lhes traz. Em termos práticos, deve-se perguntar a si mesmo: “Quais serão as consequências da minha escolha ou atitude?” Dentre uma gama de escolhas, há sempre uma correta, que pode trazer harmonia, felicidade, saúde, liberdade e prosperidade. Como realizar a escolha correta?

No momento em que se faz uma escolha, deve-se prestar bem atenção aos próprios sentimentos. Se ocorrerem dúvidas, desconforto, receios e mal-estar, então, provavelmente, a escolha não é de karma apropriado. O presente e o futuro são arquitetados por escolhas feitas a cada instante da vida. Tudo o que acontece no presente momento é resultado de escolhas que se fez num passado próximo ou distante. Tais escolhas podem trazer consequências evolutivas ou destrutivas.

A lei do karma ressalta que a cada momento existe a possibilidade de se realizarem coisas diferentes e mudar-se favoravelmente o rumo da vida. Deve-se parar um momento e testemunhar as escolhas já feitas e aquelas por se fazerem na vida.

Samsara

Na maioria das tradições filosóficas da Índia, tais como o Hinduísmo, Budismo e Jainismo, o samsara – ciclo mecânico de morte e renascimento – é tido como algo natural. Preso ao samsara, através da lei do karma, encontra-se o homem, cujos frutos de suas ações, sejam eles bons ou maus, devem esgotar seus efeitos através de inúmeras existências.

O homem deve transcender o samsara mediante a “iluminação” de sua consciência. O karma e o samsara podem ser transcendidos ou dissolvidos mediante dois caminhos que conduzem à libertação (moksha): a aquisição de jnâna (conhecimento superior) e a prática de bhakti (devoção, amor). Uma vez que a sabedoria libertadora (vidya) é alcançada através do conhecimento (jnâna), a ideia do ahamkâra (sentido de individualização, ego) e mamata (“ação do eu” ou “isso é meu”) se dissolve; consequentemente, o samsara se extingue, e a natureza divina existente no homem (atman), alcançando a libertação (moksha), funde-se a Brahma (deus criador), à consciência do universo.

Com a dissolução da ilusão de aham (“eu sou”) e mamata (“isso é meu”, apego), atman, finalmente, alcança-se a verdadeira compreensão de que se é também Brahman (o Absoluto) – aham brahmansmi, “eu sou brahman” – e o samsara deixa de existir.