O novo papel da vaidade

por Ceres Araujo

"Amar o próximo como a si mesmo" é um preceito e é o ato fundador da humanidade no ser humano. "Amar o próximo como a si mesmo" nos diferencia dos outros animais, trazendo a passagem da sobrevivência para a moralidade. O amor ao outro transforma a sobrevivência de um ser humano na sobrevivência da humanidade no ser humano, escreve Zygmunt Bauman, autor de Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos.

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"Amar o próximo como a si mesmo" significa que, para amar o outro, é preciso amar primeiro a si mesmo, colocando o amor-próprio como um dado indiscutível. No âmbito da família, podemos pensar que, enquanto pais, só conseguiremos amar nossos filhos na medida do amor por nós mesmos. Isso pode soar estranho, frente à necessidade da abnegação e da imensa capacidade de se sacrificar dos pais, tão apregoadas em verso e prosa. Entretanto, não existe, aqui, ambivalência. A capacidade do amor apaixonado e incondicional aos filhos nasce da possibilidade do amor apaixonado e incondicional a si mesmo, garantindo a sobrevivência pessoal para poder cuidar da prole.

Nos nossos tempos hipermodernos, um ingrediente importante do amor-próprio é a vaidade. Definida nos dicionários como ufania, presunção, ostentação, vanglória, etc, a vaidade está sendo reabilitada, não entendida mais como um "pecado capital", mas sim como parte natural da personalidade do ser humano. A modéstia, até então seu antônimo, não precisa ser excluída, pois vaidade e modéstia podem e devem caminhar juntas. A vaidade, redefinida, inclui a beleza, a graça, o encanto, a gentileza e a apreciação estética. É o "olhar coruja" a si mesmo e ao próximo, pelo menos aos mais próximos, os filhos.

A beleza, como parte da vaidade, é um conceito dos mais relativos. Não se trata da submissão aos ditames da moda, que é efêmera, mas da aquisição de uma autoimagem satisfatória, colorida de valores positivos. Significa gostar do que se vê no espelho concreto e do que se vê no espelho da alma. Isso contagia nossos filhos e faz deles filhos da coruja.

Vivemos em uma época onde a aparência conta muito. A imagem, a forma, tendem a predominar sobre o conteúdo. Diferentes intensidades de luzes, sons, aromas, paladares, gestos, invadem a comunicação humana. Nosso mundo é colorido por informações de todas as ordens, vivemos a realidade virtual, a hiper-realidade e, nesse mundo, criamos nossas crianças.

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Existe um hiper-investimento na imagem corporal. Muitas crianças, nos dias de hoje, preferem ganhar roupas a brinquedos – algo inconcebível até alguns anos atrás. Aceitar o hiperinvestimento na imagem corporal não significa termos que transformar nossos filhos em mini adultos hiperenfeitados, o que é grotesco. Não significa também, ter que vesti-los necessariamente com roupas de grifes, o que além de dispendioso, pode ser não educativo.

A roupa entretanto, é, realmente, uma segunda pele e merece atenção. Na nossa época, conforto e beleza nas roupas são exigências fundamentais. A imagem corporal é o substrato da própria identidade e merece ser valorizada. Assim, às crianças, os autocuidados precisam ser ensinados, estimulados e bem proporcionados. Devem os pais ter certeza, porém, que só se ensina na medida de seu próprio saber. Ou seja, por serem referências para seus filhos precisam também se cuidarem.

A vaidade, equilibrada, hoje, se dirige para o corpo, o que vai sobre ele, o intelecto, se misturando com os conceitos de inteligência, saúde, beleza, estética corporal, padrões de vestimentas e tipos de penteados. Assim, é natural que a criança, sem exageros, busque se enquadrar nesses padrões, se sentindo bem aceita socialmente, reforçando sua autoestima.

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Se os pais olharem para seus filhos e acharem que eles têm essa forma de vaidade, não devem temer por isso. Uma dose de vaidade não prejudica ninguém, ao contrário, faz a vida ficar mais bonita.

Bonitas, vaidosas e modestas, nossas crianças se beneficiam da possibilidade de acompanharem seu crescimento em um espelho real, mas necessitam muito se espelharem nos seus pais e se verem espelhadas nos olhos de seus pais, para que se sintam vistas, conhecidas, amadas e queridas por serem quem são.