Quando dizer a verdade, a meia-verdade e a mentira inteira

por Roberto Goldkorn

Quando cheguei aos 50 anos, fiz um balanço dos amigos e inimigos que consegui ao longo da vida. A conclusão foi chocante – a maioria dos inimigos meus eram pessoas que antes me adoravam. Mas como isso aconteceu? Simples, ofereci a essas pessoas num determinado momento as minhas verdades. Coisas do tipo: "gostou das minhas poesias?" "Acho que você precisa fugir do chavão, do lugar comum. Trabalhe um pouco mais etc e etc." "O que você acha de eu montar uma clínica para trabalhar com cura espiritual?" "Acho que deve primeiro curar a si mesmo, se der certo, ai sim você parte para curar os outros." E assim foi.

Continua após publicidade

Ganhei inimigos ferozes, e uma legião de críticos amistosos, gente que insiste em afirmar "ele só vai se dar bem na vida quando falar menos e só dizer as pessoas o que elas querem ouvir e não o que precisam ouvir." Aos poucos fui compreendendo a natureza desse fenômeno.

Algumas dessas pessoas nos adoram, pois acham que podemos com as nossas palavras transformar ou validar as suas mentiras, como a fada dos contos que toca com a sua varinha uma abóbora e esta se transforma numa carruagem. Outras acham que o mínimo que lhes devemos por gostarem tanto de nós, é endossarmos os seus cheques tenham eles fundos ou não.

Outro dia uma amiga me deu um "toque": afinal o que é a verdade? Quem sabe a verdade?" Falando assim em termos ontológicos, é assustador mas no cotidiano a coisa toda é bem mais simples.

Conheci um "guru" que me dizia que ninguém podia mexer na sua capanga (bolsinha de couro que se levava na cintura na longínqüa década de 80) pois ele guardava ali um talismã muito poderoso. Na verdade era um maço de cigarro (ele alardeava que o fumo era um veneno para a energia mágica). Um dia ele estava na minha casa e saiu para encontrar um grão mestre da maçonaria num encontro ultra secreto. Na verdade havia ido comprar cigarros. Ele era um mentiroso compulsivo. Mas quando disse a ele que precisava fazer um tratamento, virou meu inimigo.

Continua após publicidade

Uma cliente ensandecida por ter sido abandonada pelo marido quase me fuzilou quando eu lhe pedi para avaliar sua parcela de responsabilidade no caso. Ela me fulminou com um terrível: "Afinal de contas do lado de quem você está?" Pensei em dizer, do lado da verdade, mas isso só iria piorar as coisas.

Verdades e mentiras existem de forma bem diferenciadas no nosso cotidiano, mas hoje confesso estou mais flexível, aceito muitas das críticas feitas a mim. Talvez seja o fato do meu dente ciso estar finalmente nascendo, mas o fato é que cheguei à conclusão de que certas pessoas não merecem as nossas verdades!

Aos poucos vou cedendo, vou compreendendo que não posso e não tenho competência para ser o paladino das causas nobres e verdadeiras, na verdade ninguém têm. Hoje não valorizo tanto assim as verdades, pois sei que elas podem ser cruéis e desconstrutivas. Estou na fase zen-política de buscar o discernimento: quem merece a verdade, quem merece a meia-verdade, e quem merece a mentira inteira.

Continua após publicidade

Essa reavaliação passa inclusive pela mudança da própria linguagem, e escolha mais ladina das palavras, as declarações menos acertivas e sempre "abertas" permitindo um recuo sem demonstrar covardia. Por um lado haverá um ganho em "aliados" e diminuição dos "inimigos" por outro reconheço que fico menos satisfeito comigo mesmo, e invejo cada vez mais os poderosos que podem dizer as coisas "duelan a quiem duelan".

A constatação de que estou me tornando menos verdadeiro me desassossega e talvez nem me livre da ira do marido cuja mulher aconselhei a "pensar bem antes de tomar qualquer atitude" quando antigamente eu diria na lata: "larga logo esse traste que só atrasa a sua vida."

Para alguns isso pode representar maturidade, para outros frouxidão moral, para mim, otimista obsessivo, certamente vai ser registrado como um knock down, (um pré-nocaute) para as forças sinistras que combato dentro e fora de mim.

Acho que esse texto não vai acrescentar muito, não vai passar informações valiosas, é mais um desabafo. Ao longo desses dois anos em que venho escrevendo aqui creio que conquistei esse direito. Afinal se não puder falar a verdade com vocês aí sim serei nocauteado, e isso não pode acontecer. Como disse o Fábio nosso leitor assíduo, para ele esta é muito mais que uma coluna é um pilar.