Quase todos, sem saber, fazem magia diariamente

por Roberto Goldkorn

Cresci lendo sobre magos e altas magias; sobre Hermes Trismegistos; Merlin; rituais complexos; fronteiras nubladas entre ciência, superstição e magia; preconceitos, misticismos e mistificações.

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Confesso que demorei muito a separar as "coisas", e entender o que era ficção e o que era realidade, o que era verdadeiro, porém inalcançável para a imensa maioria das pessoas.

Ler o Dogma e Ritual de Alta Magia de Eliphas Levi, e outros textos altamente herméticos não me tornaram propriamente um fã do universo da Magia. Mas eu nunca conseguia jogar tudo no lixo e me bandear de uma vez para o lado solar dos céticos e "cientificistas".

Alguma coisa, mesmo nos textos e discursos mais delirantes, me dizia sussurrando: "Debaixo desse angu tem caroço".

Com um pouco mais de maturidade, fui percebendo que parte da complexidade hermetista que circundava o mundo da magia e dos magos, se dava para encobrir uma verdade: a magia está na gênese da vida. Todas as religiões, sem exceção, se erguem sobre alicerces da magia, criam rituais com finalidades mágicas e se empenham muito em disfarçar isso. Nem é preciso lembrar a figura dos Três Reis Magos que são citados na Bíblia e em seguida prudentemente esquecidos junto com quaisquer menções à magia.

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Por isso a conspiração inclusive dos magos para ocultar o acesso à magia é tão poderosa: a magia está acessível a todos, mas se todos a conhecerem e a praticarem, ela se banalizará e deixará de ser esse reduto hiperrestrito apenas para seres especialíssimos.

Não vou negar aqui que existe um conhecimento de magia que é muito sofisticado; é uma espécie de doutorado ou livre licenciatura do conhecimento ordinário ao alcance do indivíduo comum, mas esse de tão elitista nem deve ser levado em conta aqui; não é para muitos; da mesma forma que o clube daqueles que escalaram o Evereste é bem reduzido, mas não só de "everestes" vivem os escaladores não é?

Existe uma magia que é palpável, não nos cobra o empenho de uma vida, nem sacrifícios sobre-humanos. A essa eu chamo de baixa magia ou magia de bolso.

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O que caracteriza esse conhecimento é que nele tudo imita a vida, o valor da simbologia é alto; e além de movimentar a energia que permeia a tudo (o que é imponderável) ajuda a fixar a nossa mente num determinado objetivo – que afinal é o grande segredo de toda magia seja ela qual for: a mobilização da mente!

Quando um psiquiatra "faz o jogo" do psicótico e performa um exorcismo porque seu paciente acredita estar possuído, ele está fazendo magia.

Quando uma mãe zelosa diz para o filho modulando a voz que vai dar um beijinho no machucado dele e que isso vai fazer sarar, ela está fazendo magia – se o filho parar de chorar, a magia deu certo.

Quando o padre na Igreja (ambiente mágico) abençoa a colocação de alianças nos dedos dos noivos, todos ali estão fazendo magia.

Quando o aluno escreve o nome do professor que o está perseguindo e coloca a folha de papel dentro do sapato (ou no freezer) que ele vai pisar está fazendo magia, tola mas ainda assim magia.

Somos seres de rituais, já fomos bem mais, porém ainda hoje não podemos pensar em nossas vidas sem a existência de rituais, e todo ritual é um ato mágico.

Todos ou quase todos fazem magia sem saber diariamente. E a pergunta que surge é: que magia é essa que se vulgariza e não surte nenhum resultado, pelo menos aparentemente?

Lembro-me de uma palestra que fiz há muitos anos em que falei do poder letal do ódio. Um rapaz da plateia me aparteou:

– Mas se isso fosse verdade o nosso ministro da fazenda estaria morto!

Todos riram, porque na verdade o então ministro era um ser muito odiado mesmo.

Ri também e depois expliquei o que seria a essência da palestra: Por que o ministro não cai fulminado diariamente vitimado pelo ódio, em parte justificado do povo? Porque essa energia é difusa, falta coerência, falta tornar-se um feixe de laser, focado, persistente e carregado de emoção certa que se reforça todos os dias.

Por outro lado, ele certamente tem um pequeno grupo à sua volta que se beneficia do que ele faz que, todos os dias mesmo sem perceber (às vezes conscientemente e é pago para isso), cria um círculo de proteção à sua volta, exatamente como as abelhas fazem com a rainha.

Magia para dar certo requer concentração, persistência, propósito e emoção dirigida. Por isso que se diz- de forma totalmente equivocada- que se "macumba" funcionasse o campeonato baiano acabava sempre empatado.

Quando muitas pessoas emitem uma emoção mesmo que carregada, ela dificilmente é coesa e resiliente o bastante para formar o tal "feixe de laser", que é a base da magia.

Mas então é só isso?

Não. A magia para ir além da simples repetição de gesto "mágico" requer um ambiente especial, um espaço mágico, um local que possa ser retirado ainda que momentaneamente do uso ordinário cotidiano. Por isso que antigamente as "bruxas" andavam cum uma corda em volta da cintura e um punhal, aquilo servia para traçar um círculo mágico, onde o ritual seria operado.

Então é isso? Bem ainda faltam alguns requisitos. Por exemplo, a postura do operador, o seu tom de voz, os gestos, tudo isso para retirá-lo de sua mundanidade, alçá-lo a outra dimensão – a dimensão mágica – ao que os espanhóis chamam de la otra realidad.

Mesmo assim, estamos a todo o momento fazendo magia e obtendo resultados, e só não nos apercebemos porque não ligamos o efeito à causa.

Muitas vezes quando as coisas estão difíceis faço faxina na casa, limpo o pó, levo o lixo para baixo, passo pano no chão. Minha mulher fica toda alegrinha, mas ela nem percebe que estou fazendo minha magia de bolso. À medida em que vou limpando, vou mentalizando que estou limpando meus caminhos, tirando o "lixo" psíquico que pode estar sujando minhas vias e comunicação com o mundo e das quais dependo integralmente.

Às vezes enquanto estou varrendo a casa, sorrio ao lembrar da música popular cujo refrão era: "Diga aonde você vai que eu vou varrendo" – que nada mais é do que uma magia de bolso, um símiles mágico do que fazemos no nosso cotidiano.

Assim como o burguês fidalgo do Molière ficou encantado ao saber que sem querer fazia prosa (seu professor de francês lhe disse que se não se faz poesia se faz prosa). Nós fazemos pequenas magias sem saber. Agora, se vamos obter com essas miniaturas, resultados notáveis, aí já seria querer demais.