Há uma proporção adequada para manifestar afeto?

por Ceres Araujo

Um leitor pede a opinião a respeito de mãe, avós e tias beijarem um menino de dois anos na boca.

Continua após publicidade

Fala-se bastante  dos maus tratos às crianças e da repercussão deles no desenvolvimento psicológico, entretanto discorre-se menos a respeito do que pode ser considerado oposto a isso: formas exageradas ou inadequadas de manifestação de carinho às crianças.

Alguns pais têm o hábito de beijar seus filhos pequenos na boca. Tal hábito vem se tornando mais comum na nossa sociedade contemporânea, sem dúvida, reflexo da cultura cada vez mais globalizada, que acarreta a imitação e a adoção de costumes “estrangeiros”. Não que a imitação de costumes de outras culturas seja necessariamente ruim.  Muito, na verdade, do que vem sendo incorporado aos nossos hábitos constitui ganhos. Mas, na história da família brasileira, não há relatos do costume de se beijar os filhos na boca.

Será esse um hábito saudável a ser adotado?

As manifestações de afeto variam muito de cultura para cultura. Alguns povos são mais expansivos corporalmente nas trocas afetivas, outros, mais contidos. Isso não significa maior ou menor sensibilidade afetiva. Pode-se citar, por exemplo,  o Japão, onde as manifestações afetivas não são tão exuberantes externamente, nem precisam ser, pois o simples ato de se inclinar perante o outro, expressa a ligação que vem do coração.

Continua após publicidade

Observam-se pais beijando bebês e filhos até ao redor de 5, 6 anos na boca, mas é raro que essa forma de beijo seja vista com filhos mais velhos, com filhos adolescentes e com filhos adultos.

Qual poderia ser uma explicação?

A partir de certa idade, os filhos passam a se sentir desconfortáveis?

Continua após publicidade

Ou são os próprios pais que não se permitem mais beijar os filhos na boca?

Muitos infectologistas condenam tal hábito, pois o beijo na boca tem mais probabilidade de  transmitir vírus e bactérias. Surge então uma questão de saúde, pois é sabido que os bebês e as crianças pequenas estão ainda criando suas imunidades e não adquiriram e nem desenvolveram as defesas que os adultos têm.

O beijo na boca das crianças pode ser uma atitude simples e natural em algumas famílias, entretanto,  cumpre aos pais refletirem sobre as consequências de tal demonstração de carinho. O hábito deve ser limitado à família? É difícil para a criança entender que pode beijar na boca alguns adultos e outros não. Pode beijar a professora, a babá, o vizinho, os pais do amigo, o porteiro do prédio etc.?

Os beijos que são exibidos nos filmes e nas novelas e os programas na TV que estimulam o namoro e o beijo na boca entre criancinhas, inserem a criança mais jovem em uma sexualidade além da possibilidade dela compreender. Ela não aprendeu que o beijo na boca, pelo menos ainda na nossa cultura, é a expressão de amor entre adultos e que o amor entre adultos é diferente do amor entre o adulto e a criança.

A sexualidade não deve ser reprimida em hipótese alguma, pois é um dos impulsos mais importantes para o desenvolvimento saudável, mas os filhos têm o direito a descobertas por conta própria. Não podem ser precocemente estimulados por adultos. Aliás, o que poderia criar uma vulnerabilidade maior ao acesso de pedófilos!

A imitação de costumes de outras culturas não é necessariamente ruim.  Muito do que vem sendo incorporado aos nossos hábitos constitui ganhos sem dúvida. Porém, é preciso senso crítico e muita reflexão,  pois quem sabe o que é bom e saudável para os filhos são os pais, lembrando que a criança não possui uma ética própria adquirida. Assim, ainda nos nossos tempos e ainda na nossa cultura mesmo globalizada, criança não se beija na boca.