Dualidade entre corpo e mente não existe, somos unos

por Renato Miranda

Na estréia desta coluna no Vya Estelar, gostaria primeiramente dizer que nosso intuito é tratar de assuntos relativos à mente e ao corpo no foco esportivo, mas com aplicação em qualquer setor da vida. Hoje tenho a satisfação de reverberar e estender algumas ideias de pessoas que também acreditam na unicidade do ser, ou seja, não separam a mente do corpo. Por isso, *Olavo Feijó, **Roberto Lent e Dráuzio Varela foram inspiração para esse texto de estréia.

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É fato que o ser humano vive cada vez mais e a expectativa de vida em todo mundo cresce significativamente. Se por um lado vivemos mais, por outro as doenças ou desordens cerebrais (demências) – por exemplo, Mal de Alzheimer – também são mais frequentes.

Todos nós aparentemente queremos viver por um período de tempo maior, mas sobretudo, com saúde física e mental. Viver com disfunção física e/ou cerebral é algo que ninguém deseja para sua vida. Mas chegar aos oitenta anos com o cérebro em plena saúde é possível? A resposta é sim. A questão a ser compreendida é que tal possibilidade se consolida muitos anos antes – e quanto mais cedo melhor. Mas afinal, como? Antes de responder, gostaria de explicar sinteticamente sobre a relação sistêmica entre corpo e mente.

Relação sistêmica entre corpo e mente

Em minhas consultorias sobre psicologia do esporte, costumo dizer que o bom preparo psicológico depende do treinamento físico. Isto se explica pela simultaneidade psicofísica do homem, em outras palavras, a dualidade entre corpo e mente não existe. Nós somos unos, corpo e mente são um todo integrado e inseparável, de modo que tudo aquilo que acontece ou faço com meu corpo, tem uma consequência simultânea em minha mente. Da mesma maneira, todo evento mental tem uma consequência simultânea em meu corpo. Não obstante, a partir de agora quando você ler a palavra corpo leia-se corpo/mente.

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"Uma vida com extensão e frequência de estímulos físicos e mentais, estimulará em nosso cérebro, o aumento do número e versatilidade de sinapses, (variada comunicação entre os neurônios que nos permite realizar diversas tarefas), gerando reserva cognitiva" Essa simultaneidade psicofísica explica, pressuposto, o porquê de você sentir-se muito mais calmo e mais alegre quando faz exercícios físicos ou sentir-se mais disposto e forte quando seus pensamentos são positivos e/ou está bem-humorado. Nosso corpo (leia-se corpo/mente!) frequentemente em toda a nossa vida “luta” para se proteger e recuperar as energias geradas pelas tarefas ou atividades do cotidiano.

Homeostasia

Faz isso de maneira autonômica, ao provocar a necessidade da alimentação e do sono, por exemplo. É o que os especialistas chamam de homeostasia.

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No entanto, podemos auxiliar a homeostasia, por meio do nosso comportamento, e baseado nesse pensar, começo a responder concretamente a pergunta do início do texto. Quando providenciamos uma rotina de exercícios físicos, estimulamos em nosso corpo um equacionamento dos problemas relativos ao corpo, eis aí a função orgânica do exercício físico.

Para proteger integralmente nosso cérebro de futuras desordens, a prática do exercício físico é um comportamento que deve estar acompanhado de outro: a rotina intelectual intensa – o que significa estar sempre disposto a aprender algo novo e sofisticar aquilo que já sabemos fazer.

Portanto, uma vida com extensão e frequência de estímulos físicos e mentais, estimulará em nosso cérebro, o aumento do número e versatilidade de sinapses, (variada comunicação entre os neurônios que nos permite realizar diversas tarefas), gerando reserva cognitiva (espécie de preservação de habilidades adquiridas por meio de um bom desenvolvimento intelectual e ocupacional e que protege nosso cérebro de doenças degenerativas) para ser usada na velhice e retardando o declínio da nossa capacidade de pensar.

Exercícios físicos e mentais para proteger a saúde do cérebro

Proponho a seguir, algumas diretrizes para a prática regular de exercícios físicos/mentais para aqueles que desejam ter um comportamento favorável à saúde cerebral:

Primeiro – Crie um estilo de vida ativo além do trabalho

Caminhe, corra, nade, pratique esporte, faça ginástica e aquilo que não souber procure aprender. Por outro lado, leia livros, jornais e tudo que puder e for construtivo para você. Aprenda uma habilidade, como tocar um instrumento musical, um novo idioma, a fotografar, a pintar, etc.

Segundo – Associe o exercício físico e mental com atitude positiva e construtiva

Lembre-se quando você está jogando futebol ou lendo um artigo em um jornal, esse tempo não é em vão, você está dando condições a si mesmo para viver melhor. Isso irá ajudá-lo a pensar de maneira salutar e consequentemente o otimismo irá surgir espontaneamente.

Terceiro – Não fique submisso à moda

Faça aquilo que você tem satisfação, não importa o quê “está na moda” seu cérebro não se importa com isso. O que conta é manter-se ativo. Se você quer ter um cérebro saudável na velhice invista naquilo que lhe dê saúde e não se oriente por eventualidades sociais. No fundo somos herdeiros de nós mesmos.

Quarto – Procure variar os tipos de exercícios físicos e mentais

Cuidado, quando o exercício está muito fácil e exige pouco, o tédio pode tomar conta de você. O segredo é aumentar a exigência gradativamente da atividade e estar aberto a novas possibilidades e aprendizagens. Por exemplo, se você consegue correr 5km, tente correr mais rápido ou uma distância maior. Ou então, comece a fazer algum tipo de ginástica ou esporte novo e intercale com sua corrida. Com relação à parte mental, se você já aprendeu a tocar um instrumento musical, aperfeiçoe essa habilidade ou aprenda algo inusitado. Mas atenção seja paciente e tenha limites. Aprender e fazer algo bem-feito leva tempo e afinal de contas um pequeno rol de atividades já é o suficiente. Às vezes, um tipo de hobbie poderá dar conta de quase tudo daquilo que precisamos para proteger nosso cérebro.

Quinto – Procure orientação especializada

Dentro de suas possibilidades procure orientação profissional, naquilo que você escolheu para fazer. O profissional irá estimular ainda mais suas potencialidades e garantirá sua proteção psicofísica.

Ao investir nesse novo modo de ser, algumas pessoas me perguntam: “O que ganharei com isso, afinal?” A resposta é simples, você se transformará em uma pessoa mais complexa e sofisticada, tanto no modo de pensar como na maneira de expressar sua energia – nós somos o nosso corpo.

De outra maneira, a atividade física ajudará a decifrarmos a incógnita que somos e simultaneamente modificará nossa vida psicossocial: de um corpo embotado surgirá um corpo ativo; daquilo que era um corpo disfuncional emergirá um corpo equacionado; de um corpo alienado brotará um corpo libertado; o que era um corpo limitado virá a ser um corpo sofisticado; aquele corpo que era ignorado se tornará um corpo respeitado.

Além disso, devemos considerar a questão emocional, mas isso ficará para depois.

*Olavo Feijó: autor do livro Psicologia para o Esporte

**Roberto Lent: médico pesquisador na área de neurobilogia