Entenda como o estresse pós-traumático afeta a memória

por Elisandra Vilella G. Sé

Ao longo da vida é possível experenciarmos vários eventos estressantes que podem tornar-se um sintoma de um transtorno de estresse pós-traumático.

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O estresse pós-trumático é definido como um sofrimento psíquico que a pessoa passa devido à exposição a uma experiência traumática que ela tenha vivenciado. Geralmente a pessoa vivenciou, assistiu, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais situações negativas envolvendo um sofrimento real ou uma situação ameaçadora na qual a pessoa pode reagir com intenso medo, impotência ou horror.

Até pouco tempo atrás não era comum falar de estresse pós-traumático. Foi somente na década de 1980 que os profissionais de saúde mental reconheceram o estresse pós-traumático como um transtorno que causa grave sofrimento para a pessoa e afeta de forma significativa a qualidade de vida e a vida social e ocupacional.

Atualmente o sistema classificatório de doenças, o DSM (American Psychiatric Association) define o estresse pós-traumático como uma resposta sintomática potencialmente crônica em relação a um evento estressor traumático, que incluem 12 sintomas agrupados em três categorias: a primeira inclui sintoma de revivência ou reexperiência do evento, no qual ao menos um sintoma deve estar presente; a segunda categoria diz respeito aos sintomas de entorpecimento da responsabilidade geral, evitação e distanciamento afetivo; e o terceiro grupo de sintomas contém seis sintomas variados, entre os quais a excitabilidade aumentada, o prejuízo cognitivo, o isolamento e fuga dos estímulos associados ao trauma (exemplo receber mensagens ofensivas na escola ou pela internet; violência de colegas); a reexperiência de sintomas na presença de estímulos associados ao trauma (por exemplo dores de cabeça) e sentimentos de culpa, sendo que ao menos dois sintomas aqui citados precisam estar presentes. A pessoa também pode apresentar alterações do sono, irritabilidade e dificuldade de concentração.

O estresse pós-traumático pode se apresentar da forma aguda cujo início se dá dentro de 6 meses, de forma crônica com mais de 6 meses de duração dos sintomas.

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Estudo com exames de neuroimagem (ressonância magnética ou spect cerebral) também ajudam no diagnóstico correlacionando os sintomas do estresse pós-traumático.

A pessoa que sofreu um estresse pós-traumático pode apresentar dificuldades em sintetizar, categorizar e integrar a memória traumática numa narrativa, ou seja lembrar do episódio e relatar os detalhes do que ocorreu e como foi sua reação e a reação de outrem. A vítima apresenta dificuldade de acessar fragmentos dos eventos em sua memória, a memória perde a sua intensidade emocional, existe um déficit na estrutura do discurso e o desenvolvimento dos relatos tende a permanecer com expressão emocional intensa.

Por isso é muito comum durante um relato de um evento traumático a pessoa ficar irritada, com labilidade emocional, ansiosa, com medo, etc…

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Estudos com exames de neuroimagem mostram que a experiência traumática pode causar uma certa diminuição do hipocampo, o que gera uma diminuição dos fenômenos bioquímicos. Pode causar também uma diminuição da atividade pré-frontal, que é uma região importante para os circuitos da formação das memórias e prejuízos na área de Broca (área responsável pela expressão da linguagem). Essas alterações encontradas no cérebro que estão associadas ao estresse pós-traumático pode estar associada ao não enfrentamento do sentimento e medo e à labilidade ou desregulação emocional.

Rauch et al. (1996) realizaram uma pesquisa com exames de neuroimagem e com roteiros dirigidos de fotos cujas situações poderiam provocar nos sujeitos um trauma temporário e a pessoa poderia experenciar alguns sintomas de um estresse pós-traumático. A pesquisa revelou que esses sujeitos apresentaram aumento do fluxo sanguíneo no sistema límbico envolvendo especialmente o córtex frontal.

Uma outra pesquisa mostra que veteranos de guerra que apresentam sintomas de um transtorno de estresse pós-traumático quando visualizaram imagens de combate. Esses dados revelam que muitas pessoas que vivenciaram ao longo da vida uma experiência traumática, por exemplo como ter vivido no período de guerra, ter sido exilado por questões políticas, experiência de perdas, entre outros eventos estressantes torna o indivíduo mais vulnerável deixando marcas na sua autoestima e prejuízos cognitivos, como na memória.

A memória é prejudicada quando a pessoa apresenta a persistência do evento traumático, a ideia fixa, a dificuldade de esquecer o ocorrido, recordações aflitivas, dores de cabeça, dificuldade em selecionar sentimentos relevantes do evento estressante, dificuldade em evitar pensamentos, sentimentos associados ao trauma, dificuldade de registrar conteúdos, em aprender coisas novas com redução no interesse em atividades e sintomas psicóticos, como alucinações, ilusões e confabulações.

Fatores pessoais e ambientais envolvidos no evento estressante que a pessoa vivencia tem grande importância no processo de enfrentamento e ajustamento no curso de vida.

O estilo de vida da pessoa antes da ocorrência do evento estressante, isto é, a experiência de vida, pode facilitar ou dificultar o enfrentamento e a compreensão do evento crítico; as características pessoais (idade, gênero, cultura, autoestima, educação, conhecimento) e características do ambiente físico e social (como o contexto familiar, condição sócioeconômica e contexto em que a pessoa exerce sua profissão) são condições que influenciam na maneira como a pessoa irá enfrentar a situação de estresse, após ter ocorrido algum evento crítico na sua vida.

Dessa forma, a resposta imediata da pessoa ao evento estressor, a forma de enfrentamento da situação ou a esquiva dos eventos críticos, ameaçadores, que causam sofrimento dependem do tempo de ocorrência desse estresse, da duração, do grau de estresse e das condições subjetivas envolvidas na vivência do estresse, tais como o desejo por algo, o senso de controle da pessoa, como querer controlar algo, as condições de saúde emocional, autoconfiança e flexibilidade do comportamento.

A pessoa que sofreu um estresse pós-traumático, na qual afetou suas habilidades cognitivas e principalmente memória pode beneficiar-se de um acompanhamento terapêutico, numa abordagem psicoterápica baseada na exposição (relatos) e reconstrução cognitiva, que podem estimular as funções cognitivas e integrativas do cérebro, principalmente as estruturas encontradas como deficitárias em indivíduos com TEPT.

Essa abordagem constitui um desafio para as neurociências cognitivas e à psicologia no sentido de reconhecer toda a dimensão dos eventos estressantes que a sociedade está mais vulnerável a passar nos dias atuais sem negligenciar todas os fatores envolvidos e as consequências que a pessoa pode ter.

Bibliografia:

RAUCH, S.L.; VAN DER KOLK, B.A.; FISLER, R.E. et al. – A Symptom Provocation Study of Posttraumatic Stress Disorder Using Positron Emission Tomography and Script-driven Imagery. Arch Gen Psychiatry 53(5):380-7, 1996.

SHIN, L.M.; KOSSLYN, S.M.; MCNALLY, R.J. et al. – Visual Imagery and Perception in Posttraumatic Stress Disorder. A Positron Emission Tomographic Investigation. Arch Gen Psychiatry 54(3):223-41, 1997.