Podemos saber o que o outro está pensando?

por Monica Aiub

De 04 a 08 de outubro, estive no XVI Encontro da ANPOF – Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia.

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É impressionante a quantidade de participantes e de trabalhos apresentados, em várias temáticas e abordagens (para o leitor interessado, o site da ANPOF www.anpof.org.br ). Como não é possível assistir tudo, concentrei-me no Grupo de Trabalho (GT) sobre Filosofia da Mente, cuja temática foi Mindreading, ou lendo mentes.

As pesquisas sobre tal temática trazem à tona a questão das outras mentes: será possível termos acesso às mentes alheias?

Como saber o que o outro pensa? Ao mesmo tempo em que sabemos ser impossível ter acesso àquilo que o outro pensa, exceto pela declaração do próprio – e ainda assim com restrições, devido à questão do significado, de possíveis e diferentes interpretações, ou ainda a possibilidade do outro mentir; ao mesmo tempo, tentamos ter tal acesso e, ainda mais, muitas vezes cremos tê-lo, considerando-nos capazes de predizer, a partir de tal leitura, o futuro comportamento do outro.

Nossa capacidade de predição futura é imprescindível à nossa sobrevivência. Não conseguiríamos nos situar no mundo, nem orientar nossos passos, se não fôssemos, minimamente, capazes de predizer o comportamento alheio, capazes de ler os padrões de regularidade da natureza. Temos padrões de comportamento que são traçados como esperados, e nos vemos surpresos sempre que um padrão é quebrado.

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Obviamente, além dos padrões de regularidade, temos também irregularidades, o acaso, o inesperado, uma resposta diferente. Muitas vezes, é nossa capacidade de criar respostas diferentes, e não a manutenção de padrões de regularidade, o que nos permite sobreviver. Ocorre como se tivéssemos que ler, compreender os padrões, e escolher as melhores formas para nos posicionarmos diante deles: respondemos conforme o esperado ou criamos respostas diferentes? O que será melhor dependerá de cada contexto, de cada momento.

Mindreading

Mindreading é uma teoria que atribui estados mentais a outros, isto é, trata do problema de outras mentes. Essa teoria considera a capacidade de explicar e prever o comportamento humano a partir da leitura de tais estados mentais. Do fato de atribuirmos tais estados e capacidades ao humano, considerando-nos aptos a explicar os comportamentos a partir desses, deriva uma psicologia popular – folk psychology ou naïve psychology, caracterizada por explicações e graus de previsibilidade do denominado comportamento normal, em outras palavras, aquele esperado a partir da observação das regularidades.

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Como são feitas as mensurações das regularidades?

Enquanto trabalhamos com a folk psychology, os padrões de regularidade seguem padrões instituídos culturalmente, replicados de geração em geração, e variáveis, de tempos em tempos. Contudo, pesquisas desenvolvidas por neurocientistas trazem outras perspectivas à questão. Por exemplo, as pesquisas desenvolvidas por Giacomo Rizzolatti e sua equipe, na Universidade de Parma, na Itália, apontam para os denominados neurônios espelho. Segundo os pesquisadores, há grupos de neurônios que são ativados em nossos cérebros quando fazemos um movimento. O mesmo grupo de neurônios é também ativado quando observamos alguém fazendo o mesmo movimento.

O que isto poderia provocar em nós? A possibilidade do espelho como imitação? A possibilidade de aprendizagem a partir da observação do outro? Via aprendizagem, poderíamos desenvolver novas possibilidades na resolução de problemas? Mas o que provocaria a ativação de um mapa neuronal: a observação do movimento do outro? O pensar sobre o movimento?

As derivações de pesquisas denominadas mindreading, chegam ao limiar da ficção, apontando para a possibilidade de identificarmos, através de mapas neuronais, áreas que indicariam que a pessoa está mentindo. Ou talvez, exagerando um pouco mais, áreas que indicariam certos tipos de pensamentos.

Mas o que temos de fato? Apenas estatísticas, construídas a partir de padrões de alguns poucos humanos pesquisados, que denotam áreas ativadas diante de um determinado estímulo. Um exame de neuroimagem apenas revela que uma determinada região cerebral foi ativada. Não revela o que a pessoa está pensando, lembrando, desejando, acreditando, sonhando, sentindo, etc. Não temos, ainda – e talvez nem cheguemos a ter, a possibilidade de traduzir tais imagens de mapas neuronais para seus respectivos estados mentais, ainda que nossas experiências se aproximem, cada vez mais, daquilo que vivemos em nossas interações com o ambiente.

Vivemos, neste campo, o problema da tradução. O que é lido na linguagem de terceira pessoa, linguagem da ciência, como por exemplo a neuroimagem, não pode ser traduzido para uma linguagem de primeira pessoa, como sentimentos, desejos, crenças, sonhos, etc.

Qual, então, a importância de pensar tais questões?

Para além da ficção que já projeta máquinas capazes de ler nossos pensamentos, transmitindo-os numa tela ou até holográficamente, impedindo a qualquer um de esconder seus próprios pensamentos e sentimentos, algumas pessoas exageram na crença em determinados resultados da ciência, apostando no uso da neuroimagem como detector de mentiras, ou mesmo como capaz de ler o que as pessoas gostam ou não, ou até ao extremo de “saber o que o outro está pensando”.

Alguns pesquisadores, cientes ou não disso, exageram nas apostas nos resultados de suas pesquisas. A imprensa, ciente ou não, exagera um pouquinho mais quando divulga tais pesquisas, e o público, ciente ou não, com base nas informações divulgadas, acaba por concluir algo para além do possível.

Ainda não temos máquinas capazes de ler nossos pensamentos. Ainda não temos conhecimento de neurônios capazes de ler o que o outro pensa. Mas temos o hábito de atribuir ao outro formas de pensar, e nos posicionamos na vida, diante do outro, a partir do que pensamos que ele pensa. O que, muitas vezes, faz com que nos surpreendamos. Noutras vezes, obtemos exatamente o resultado imaginado. Por que o obtemos? Por que lemos a mente do outro, conseguimos prever sua reação, ou porque ele reagiu a nosso posicionamento, baseado na crença de que ele agiria de tal ou qual maneira? Eis a questão.

Referências Bibliográficas:
RIZZOLATTI, G; SINIGAGLIA, C. Las Neuronas Espejo: Los mecanismos de la empatia emocional. Barcelona: Paidós, 2006.
Para ler mais sobre o assunto:
TEIXEIRA, J.F. A mente segundo Dennett. São Paulo: Perspectiva, 2008.