Passear ou viajar de moto combate o estresse

por Valéria Meirelles

Este artigo surgiu da necessidade de se falar sobre a qualidade de vida associada ao motociclismo. Como no universo científico não encontrei nada a respeito desse assunto especificamente, resolvi criar um instrumento próprio e bem simples de pesquisa, que me possibilitasse ter material para análise. Então optei por fazer uma pergunta: "Quais os efeitos da moto em sua vida?", que foi respondida por diferentes usuários de moto.

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Responderam à minha pergunta 25 motociclistas, homens e mulheres, com idade entre 35 e 63 anos, integrantes do Pégasus Moto Clube, da cidade de São Paulo. Algumas respostas foram emocionantes depoimentos de vida. Eu as dividi em três categorias, tomando como base a freqüência com que foram dadas: socialização; estresse; e liberdade (aventura/desafio).

Os motociclistas foram unânimes em afirmar que o sentimento de pertencimento a um grupo, a amizade e solidariedade, sem discriminação ou preconceito, é um importante ganho advindo da moto. Principalmente o motociclista 'estradeiro' (aquele que utiliza a moto mais para lazer e viagens), se sente mais seguro sabendo que pode contar com a solidariedade de companheiros em casos de emergência.

Numa sociedade competitiva como a atual, estar num grupo com interesses comuns e colaborativos contribui para que o indivíduo se sinta acolhido. Esse apoio não se restringe somente à estrada, mas a outras esferas da vida.

Depoimentos

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Quais os efeitos da moto em sua vida?

"Acho que o maior benefício é ter muitos amigos";

"Oportunidade de fazer novos amigos. Depois que comecei a andar de moto, conheci muita gente boa, pessoas que se reúnem para descontrair, para trocar experiências e às vezes até para desabafar, com sinceridades e sem cobranças";

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"Por causa dela (moto), tive uma mudança no convívio social muito boa";

"Ela (moto) une as pessoas, faz com que possamos ampliar nosso círculo de amizades, nos deixa atentos (…) encontrei união e solidariedade entre os membros (…) aprendi o que significa andar em grupo, união e companheirismo entre colegas e amigos";

"Aprendi a não discriminar ninguém e fiz amizades que nunca achava que iria fazer";

"A moto representa uma busca incessante de altruísmo, de confraternização, de amizade, companheirismo, sem considerar a posição social de cada um (…) é o milagre da solidariedade";

"A moto remete às origens, ao espírito de solidariedade, companheirismo";

"Nunca fiquei ou deixei alguém de moto em uma estrada, parado. Ou seja, se o problema surgiu, acaba sendo um incentivo para fazer novos amigos, dar boas risadas e quem sabe até termine em churrasco enquanto a moto aguarda reparos";

"Cada motociclista neste imenso palco na vida é antes de tudo um amigo solidário que me dá a certeza de que nunca estarei só".

De acordo com o terapeuta familiar Carlos Sluzki, autor do livro "A Rede Social na Prática Sistêmica", ter o que ele denominou "uma rede social significativa", como a do Pégasus MC, por exemplo, contribui para a prevenção no campo da saúde mental. Isso porque as "fronteiras do indivíduo não estão limitadas por sua pele, mas incluem tudo aquilo com que o sujeito interage (…) Todo o conjunto de vínculos interpessoais do sujeito: família, amigos, relações de trabalho, de estudo, de inserção comunitária e práticas sociais."

Ou seja, vínculos significativos nos fornecem identidade, a qual é construída e reconstruída no decorrer de nossas vidas, com base na interação com os outros e no significado que adquirem junto à nossa história. Através da possibilidade de pertencer, podemos entrar em contato com as nossas próprias forças e até características que estavam em nós adormecidas.

Pelos depoimentos acima, corroboram-se as idéias de Carlos Sluzki, de que fazer parte de um grupo contribui para o bem-estar e reduz o stress, como poderá ser constatado nos colocações a seguir.

Estresse

De acordo com a psicóloga e pesquisadora Marilda Lipp, estresse é "o estado de tensão que causa uma ruptura no equilíbrio interno do organismo". Os principais sintomas são: "tensão muscular, tais como dor na nuca, azia sem causa aparente, esquecimento de coisas corriqueiras, irritabilidade excessiva, vontade de sumir de tudo, sensação de incompetência, ansiedade, cansaço ao levantar e sentir que nada mais vale a pena".

Mais de 50% das respostas incluíram o alívio das características mencionadas acima como outro efeito positivo da moto:

"Quando estou na moto, as preocupações e dissabores passam";

"A moto para mim é uma terapia, há descontração e afastamento de problemas";

"Quando estou na moto esqueço todos os meus problemas, fico mais tranqüilo e em paz comigo mesmo";

"Liberdade e fuga da dura realidade vivida no dia-a´-dia";

"Não há estresse que sobreviva à sensação de liberdade que a moto proporciona";

"Descarga de stress e adrenalina";

"Quando saímos com nossos amigos para passeios, a moto nos faz esquecer dos problemas, nos auxilia a encontrar soluções, me faz pensar nas atitudes, em que eu posso melhorar, nos erros (…) a moto é minha analista";

"Foi ela (moto) quem tirou meu stress, pois estava a ponto de largar tudo em minha vida e ir para um lugar longe de tudo e todos devido à pressão no trabalho";

"Diminui meu stress; fico uma pessoa mais alegre, mais feliz";

"A moto me ajudou , me tirou da depressão e me ajudou na crise conjugal";

"A moto faz você encarar as dificuldades com bom humor";

"Assim que o vento bate no meu rosto, leva embora meus problemas";

"Depois que viajei 4 mil km de moto, meus problemas no ombro passaram".

Pelas respostas acima é possível perceber que a moto é um instrumento que contribui para o equilíbrio do corpo e da mente. Podemos pensar que a moto ajuda a lidar com as pressões do cotidiano, pois no momento em que se está pilotando ou envolvido com suas demandas, há um "desligamento" ou afastamento das dificuldades cotidianas, que ganham outra dimensão.

A moto na verdade é o agente de copping, ou seja, é uma forma de lidar com o estresse e agentes estressores, como diriam os especialistas.

Daí os motociclistas se referirem a ela como algo benéfico, pois para quem gosta, é um grande prazer, que contribui para a saúde através de inúmeras sensações agradáveis, restauradoras do bem-estar. Uma das principais é a sensação de liberdade, analisada a seguir.

Sensação de liberdade/desafios

Dominar uma máquina e superar desafios são atitudes muito positivas para a auto-imagem das pessoas, pois as conectam com o sujeito histórico de cada uma, aquele que contém as origens do acontecer humano – desde as cavernas, o homem se movimentava na natureza em busca de sustento:

"A moto remete às origens, ao espírito de aventura, de desbravamento";

"Senti com a moto a alegria da redescoberta do prazer da aventura, independente da idade, rompendo barreiras";

"Andar, sentir o vento no rosto, a sensação de liberdade, dominar aquela máquina, estar em contato com a natureza, é tudo de bom";

"Liberdade com responsabilidade";

"Nos proporciona um estado de espírito inigualável pela liberdade que nos dá";

"Um sentimento de liberdade. Andar de moto nos dá a sensação de estarmos como um pássaro, voando baixo, pois não tem nada nos engaiolando";

"A motocicleta representa uma busca incessante de liberdade";

"O contato com as sensações são sentidas na pele, no rosto, o tempo deixa de ser importante";

"Contínua sensação de contato com a natureza";

"A moto marca muito minha vida, pois é um desafio e todo desafio é fascinante";

"O ronco do motor e as manobras de pilotagem me fazem um forte, um desbravador";

"Com a moto sou inteiro, único, ela é parte do meu corpo e me transporto para a vida"

Mesmo com toda evolução humana e tecnologia, a necessidade de contato com a natureza e a liberdade continua evidente e necessária para as pessoas, servindo também como mais uma forma de bem-estar.

As falas acima atestam a importância do desafio, do desbravar, da sensação de liberdade de quem está conectado com a natureza, nossa grande Mãe. Ninguém nos ensina tais sensações, elas simplesmente acontecem, como se já estivessem em nós adormecidas, prontas para serem resgatadas. Herança histórica, de longínquos antepassados, impossíveis de negar. O bonito é que a moto integra evolução e tecnologia (presente e futuro) com o passado.

Considerações finais

"Moto é um veículo para quem gosta de gente"

Se pensarmos nas palavras do psicanalista Gilberto Safra: "A travessia da vida é feita por uma linha estreita somente possível pela presença do outro", o grupo de moto contribui para o acontecer humano.

A moto propicia a criação de contextos de reflexão e de novos contatos pessoais. Como 'instrumento intermediário' entre o indivíduo e o grupo, a moto é um agente favorável na construção de novos significados para a vida das pessoas.

Os internautas podem até perguntar se outros esportes e atividades também não têm essa função e aí cabe a eles próprios descobrirem, a partir dos grupos dos quais participa. Escrevi sobre a moto pois faço parte desse universo há quase 5 anos, seja como motociclista ou garupa. Nesse tempo, pude ver e viver situações que me impressionaram e que me estimulam a continuar junto e aprender.

Outros internautas podem me questionar sobre o perigo de andar de moto e darem exemplos de acidentes. Daqueles que tenho conhecimento, a maioria foi por algum motivo relacionado com a não observação dos limites e regras de segurança. É importante ressaltar que ter moto implica em responsabilidade – consigo mesmo e com o outro. Fatalidades acontecem em qualquer situação de vida, mesmo atravessando a rua. Viver é correr riscos.

Para encerrar, citarei Deborah Dubner, psicóloga e escritora: "O nosso verdadeiro lugar é apenas o lugar de nossa existência. Libertar é tirar o véu entre o nosso olhar e a vida, pouco a pouco, para encontrar nosso verdadeiro lugar. O lugar onde nossa alma sorri e onde nosso coração bate forte, como as batidas de um tambor".

Desejo de coração que cada um encontre seu lugar na vida, seja sobre uma moto ou não.

Agradecimentos

Mais uma vez agradeço o apoio do presidente do Pégasus Moto Clube, Milton Falcão e de Eduardo Troiani, Diretor Social. Obrigada também a todos meus colegas que contribuíram com este artigo.