Por que vontade sincera de largar um vício nem sempre funciona?

por Roberto Goldkorn

Conhecer o universo dos computadores pode ser bastante ilustrativo para entender outros universos de nossas vidas. Por exemplo, soube que os hackers constroem um programa pirata que entra em nosso computador e não causa estragos aparentes; mas copia os dados de contas bancárias e faz uma ponte larga para que esses dados sejam manipulados e valores transferidos para as contas dos piratas cibernéticos.

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É como se o nosso computador fosse um médium e os programas piratas uma "entidade" que incorpora e transfere a consciência para outro plano.

Acontece no plano virtual acontece no plano humano.

Atendi ao longo do tempo, clientes que foram invadidos pelo programa pirata das drogas, em sua maioria a cocaína. No começo ainda jovem e arrogante, achei que seria possível enfrentar de peito aberto esse invasor solerte. Perdi quase todas as batalhas – esse fantasma branco era danado mesmo, e seus tentáculos muito mais poderosos e profundos que a minha vã filosofia poderia imaginar.

Mesmo recentemente, pude enfrentar o pálido inimigo novamente, mais maduro e mais realista. O novo conceito que desenvolvi era de que a droga abria portas que libertavam Hulks que existem dentro de cada um, devidamente trancafiados pelo poder do Ego civilizatório. Mas ao mesmo tempo que abria essas portas liberando forças primitivas, fechava outras relacionadas com a Vontade, a volição, desenvolvida na história recente da humanidade e localizada nas camadas novas do córtex cerebral.

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E nós sabemos muito bem o que acontece quando alguém aprisionado por tanto tempo sai e vê a luz do sol: endoidece, pula que nem maluco, saracoteia, rola de prazer na grama verde que na verdade é cascalho duro e áspero. Liberar o Hulk traz imenso prazer, não uma fruição intelectual, "aquela que se diz o nome", mas a primitiva, aquela que está visceralmente associada aos desejos sensoriais.

O sujeito que deixa a fada branca entrar perde o controle, se é que algum dia o teve plenamente (creio que não), mas não o perde de forma definitiva e permanente. É muito mais grave; a perda de controle é mais sutil, porque as rédeas passam para outras mãos, que as controlam segurando e soltando de acordo com uma nova e alienígena agenda.

Assim, quando o novo condutor quer, ele solta para que o "cavalo" volte ao "normal". Aí as esperanças renascem, o "cavalo" chora, pede ajuda, admite que está "doente", jura por todos os deuses que vai parar – e está sendo sincero. Mas ele não sabe que o controle já não está em suas mãos, ele tem apenas a ilusão de estar de volta. Ele não sabe que o Hulk foi despertado e que apenas está dormindo e quando acordar vai querer comer, ou cheirar e voltar a sentir aquela força surreal que lhe devolve o senso de ser um super-homem – o Hulk.

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Trabalho com a possibilidade de que haja para além do fator eletroquímico, um elemento espiritual nessa mágica, nessa geração de um Golem (monstro terrível, criado de barro e animado pela gravação de letras mágicas do alfabeto hebraico em sua testa) ativado pela química perversa.

Da mesma forma que a química alucinante abre portas neurais e psicológicas, pode abrir portas do mundo espiritual, onde por afinidade, energias "inteligentes" venham também se banquetear na esteira do pó que alimenta seus diabos etéreos.

Se o fator espiritual estiver presente, pode explicar também a imensa dificuldade que os tratamentos convencionais têm de obter resultados efetivos no combate dessa pirataria na química do cérebro e da alma.

Nesse caso a luta travada apenas no plano químico neural, seria insuficiente, já que outras forças intangíveis e insuspeitas estariam trabalhando incessantemente para que o suprimento de alucinantes chegue até elas em sua forma quintessencial.

A luta contra esse Hulk malévolo que destrói vidas e relacionamentos, que corrói esperanças e futuros, tem de ser radical, inteligente, não pode ter punhos de renda, tem de ir fundo e caçar seus inimigos onde quer que estejam, mesmo que seja no plano imponderável do espírito.

Nessa guerra, não podemos nos dar ao luxo de enjeitar aliados ou desdenhar possibilidades só por que não as conhecemos. Só quem é prisioneiro de um Hulk interior sabe como essas correntes pesam e machucam.

Se existe uma luta na qual valha a pena investir, suar e sangrar… creio que seja essa: devolver ao indivíduo o controle, ainda que limitado por seu grau de evolução sobre sua própria existência, trancando de volta o Hulk branco, devastador, no seu buraco de onde nunca deveria ter saído.