Por que mudanças de hábitos são tão difíceis de reprogramar?

por Marta Relvas

E o cérebro, como responde a essas transformações?

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A música de Chico Buarque já diz tudo: "Todo dia ela faz tudo sempre igual". Ou numa visão neurocientífica: todo dia nosso cérebro faz tudo sempre igual…

Acabar com um hábito (ou substituí-lo) demanda tempo e disposição. A construção de hábitos é complexa, e envolve inúmeros fatores, mas a mudança é ainda mais desafiadora.

Quando realizamos uma troca de hábitos, reprogramamos nosso cérebro. Mais especificamente, uma região próxima à nuca, entre o córtex-motor e os núcleos da base, onde esses estão arraigados. Ao substituir um hábito antigo por um novo, são criadas novas conexões dos neurônios, e essas conectividades podem demorar dias, meses e até anos para que o novo hábito se torne automático.

"Essa reprogramação cerebral não é simples, porque envolve esforço", pois dela depende do que a neurociência denomina de neuroplasticidade intencional.

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Como os hábitos são construídos e arquivados no cérebro?

Tudo começa com a formação dos neurônios que são organizados no momento da gestação, e o amadurecimento neural só se completa através de estímulos: informações que se moldam conforme os comportamentos definidos socialmente e pela cultura. A pessoa então vai aprendendo e criando um estilo de vida, um hábito de vida.

O que você é hoje, é resultado de seus bons hábitos e maus hábitos que te construíram e te levaram a esse resultado.

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O cérebro tem estruturas anatômicas responsáveis por arquivar esses hábitos que muitas das vezes queremos nos livrar. Os chamados núcleos da base são a área neural dos hábitos de vida. Localizam-se no centro do cérebro, numa área primitiva, sendo responsáveis pelos comportamentos automáticos. Assim, têm como função principal processar sinapses neurais das informações já conhecidas, a partir de comportamentos já arquivados.

Nesse sentido, é essa porção cerebral que, por exemplo, nos impede de acordar às 5 horas e fazer uma caminhada. Tal estrutura nos "sabota" e, involuntariamente, comanda a tendência a colocar uma soneca no horário de tocar o despertador e deixar essa atitude para amanhã, e amanhã dizer que vai fazer amanhã. A pessoa acorda de manhã até com vontade de começar uma atividade, porém o hábito de não acordar cedo a impede de tal iniciativa, pois os neurônios dessa região começam a processar as informações daquele velho hábito de antes. Ou seja, não há renovações sinápticas nessa parte do cérebro e as mesmas informações são mantidas.

Então… qual é a saída? A neuroplasticidade intencional com a ajuda do lobo frontal

Estudos neurocientíficos apontam que a pessoa tem como alterar esse padrão de conectividade sináptica existente nessa área cerebral por meio da neuroplasticidade intencional. Essa ocorre quando a pessoa compreende algo do ponto de vista integral, cognitivo e emocional, promovendo, então, um padrão de comunicação de novas sinapses no seu núcleo da base, que a leva a fazer o que não tem costume.

Por isso, podemos pensar que é possível nos libertar de velhos hábitos, por existir no nosso cérebro outra área neural do livre-arbítrio – o lobo frontal, e permite ao ser humano fazer diferente. Essa área neural é a última "peça" da evolução que o ser humano encaixou no seu cérebro; é o lobo frontal que promove no ser humano a capacidade cognitiva e mental para solucionar problemas intencionalmente.

O lobo frontal é também extremamente importante para o conceito de autorresponsabilidade e automonitoramento – a capacidade de monitorar o próprio comportamento -, pois é a partir dessa área que se promove a capacidade de abstração, dos pensamentos complexos, de planejamento e de definir como fazer e que caminho trilhar.

Então, por que não estimular isso na prática do cotidiano?

O indivíduo está acostumado a fazer todo dia uma determinada coisa, mas agora quer fazer diferente porque está lhe trazendo problemas ou não está mais agradando. Enfim, antes era satisfatório, mas agora quer tomar suas próprias decisões, rever padrões comportamentais antes preestabelecidos, mudar suas escolhas. Assim, o jeito é usar a área da flexibilidade cerebral que é regida pelo lobo frontal.

Vale a dica: ao reconhecer como essas estruturas cerebrais funcionam, torna-se mais fácil a pessoa usar seu lobo frontal para planejar suas ações em busca de uma autonomia cognitiva. Caso não consiga reprogramar-se sozinho, busque ajuda com profissionais que cuidem da saúde do cérebro e da mente.