Rá ou há há há?

Por Roberto Goldkorn

Como não podia deixar de ser estou recebendo mensagens ora de escárnio, ora de perplexidade em relação ao Thomas Green Morton, a que considerei num artigo anterior um dos maiores paranormais do mundo. Como não costumo deixar portas abertas, aqui vai um esclarecimento que espero seja muito além de uma desculpa esfarrapada, ou justificativa para o meu "fiasco"!

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Confesso que ao ver as imagens do Fantástico (TV Globo) também fiquei perplexo. Não que o Thomas tenha me contratado para advogar em sua defesa, eu nem o conheço pessoalmente, mas como estudo parapsicologia e mais especificamente a paranormalidade há quase trinta anos, é compreensível que acompanhe a vida do Thomas com muito interesse.

Conheci e convivi, com pessoas altamente preparadas que privavam da intimidade do Thomas. Ouvi, durante anos, relatos dessas pessoas, acompanhei reportagens de jornalistas especializados estrangeiros, que ficaram dias convivendo com o paranormal. E li vários livros sobre ele. Não tenho dúvidas de que ele é um paranormal. Mas então o que houve? Por que os truques de mágica de circo de lona remendada?

Lembro-me como se fosse hoje, uma conversa que tive com um freqüentador do círculo íntimo do Thomas, há cerca de 25 anos num restaurante na rua Pamplona em São Paulo.

Ele me contava entusiasmado os fenômenos que observara no fim de semana com o Thomas. Entre o relato de um fenômeno e outro ele olhava para mim, divertido e intrigado implorando por uma explicação, como se eu a possuísse. Lembro-me que tentei mostrar-lhe que a paranormalidade era apenas um "acidente" bio-psíquico, não representava nenhum avanço espiritual, embora em países com uma cultura mística predominante como a Índia, pudesse ocorrer uma sincronia entre a presença da paranormalidade e um desenvolvimento espiritual.

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Ele tinha dificuldades de entender por que Deus havia dado tantos poderes a uma pessoa com um baixo nível de evolução espiritual, ou seja, que segundo os seus padrões ainda comia carne, fumava , bebia… Naquela época, vi como era difícil desvincular a ocorrência dos poderes paranormais com um alto nível de desenvolvimento moral, ético e espiritual. Mas lá como agora eu repito, uma coisa nada tem a ver com a outra.

Conheci vários paranormais na minha vida, alguns eram simples canalhas, outros apenas analfabetos espirituais, e por isso havia em quase todos eles uma terrível perplexidade, que com o tempo aprendiam a esconder do público. Eles se debatiam com a pergunta obsessiva: por que eu? O que eu fiz para merecer isso? E agora como vou viver com isso? Será que vou poder viver disto?

Por causa da confluência desses fatores, da relação entre a ocorrência dos fenômenos e o baixo nível intelectual/moral/espiritual, muitos acabavam cedendo e se profissionalizando. Aí se encontrava a grande armadilha. Nas minhas conversas com o meu amigo, alertei ele, que o Thomas como todos os que vão colocar os seus poderes a venda, correm um grande risco. "Qual seria esse risco?", me perguntou o meu amigo.

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"Bem", tentei explicar, "os poderes paranormais estão intimamente ligados às marés emocionais. Naturalmente depois de algum tempo você aprende a lidar melhor com isso, mas não durante todo o tempo. Assim, quando você se profissionaliza, tem de estar pronto para a função sempre que o taxímetro é ligado, mas nem sempre a "central" paranormal, está ligada".

O que fazer então, quando o cliente chega, paga, e quer ver "o espetáculo"? Raros são os que têm a coragem e a dignidade de dizer, hoje não tem função, o circo está fechado, afinal de contas come-se todos os dias, há o aluguel para pagar e a escola das crianças…

Então? Truque, mágica, enrolação, prestidigitação, abracadabra. No fundo era uma solução ideal, e todos saiam satisfeitos, porque muitas pessoas sentem um certo prazer em serem enganadas. Constatei isso ao longo desses anos todos, orientando, lidando com gente, nessa área cinzenta e movediça entre a psicologia e a espiritualidade. Quantas vezes meus clientes saiam da consulta batendo o pé, me odiando, por ter sido sincero e ter dito; "eu não sei, não posso fazer isso, ou você não deve fazer isso. "A maioria saía do meu consultório e ia procurar alguém mais "forte" que fizesse acontecer, fizesse a mágica, que supostamente substituiria o trabalho, a verdade, e solucionaria os seus problemas com um toque de …mágica.

Conheci duas mulheres que trabalhavam com mineração. Todos os anos elas consultavam uma vidente mineira famosa internacionalmente e de comprovada eficiência. As mulheres ficaram ricas com as dicas da vidente, que ano após ano, indicava o caminho das pedras… de ouro. Um ano, ela deu dicas, que se mostraram todas furadas. As mulheres enlouqueceram. Quando vieram me procurar, e falavam até em matar a vidente. Mostrei a ela o quanto estavam sendo injustas, a ficha então caiu. Esse é o problema, o taxímetro tem de estar ligado, mas a maré fenomenológica nem sempre está.

Certamente é isso que acontece com o Thomas. Eu não tenho dúvidas da sua paranormalidade, apesar de a TV Globo ter mostrado que ele não aceitou o desafio de provar sua paranormalidade. Não me iludo com mágicas, e a TV faz mágicas, ou vocês pensam que a edição de um programa, onde se retira imagens do contexto, e se monta uma seqüência, colocando ou retirando cenas, não é uma baita mágica?

Não nego que o Thomas recorra a esses truques por vaidade, comodismo, ou conveniência. Acho que muitas vezes ele deve se sentir como um macaquinho de circo sempre instado a fazer seus truquezinhos, e quando a máquina dos fenômenos não está disposta e ele faz os tais truquezinhos.

Compreendo que para o público leigo, não afeito com o universo da paranormalidade e com as pesquisas da parapsicologia, tudo isso deve soar no mínimo bizarro e inquietante. Aí vem a TV e diz, acalmem-se, podem voltar à poltrona e às pipocas, podem ir dormir o sono dos justos e amanhã acordar acreditando que o Universo é euclidiano, pois o Thomas, não passa de um mágico de terceira, o resto é coisa de filme Arquivo X. Acreditem só, e exclusivamente na nossa mágica, que você pode ligar e desligar com um suave toque no controle remoto.

Para você, que está na poltrona eu ofereço a fala colocada na boca do Galileu Galilei, por Bertold Brecht: "A verdade é filha do tempo, e não da autoridade". (seja ela qual for.)