Saiba lidar com o outro lado da crise

por Roberto Goldkorn

Assim como a lua que pelas circunstâncias e as limitações do nosso posicionamento, nunca vemos, a crise global que agora é a vedete da mídia também tem o seu lado oculto. Antes de mais nada, devo dizer que não sou economista, o que também não quer dizer grandes coisas, já que os dois economistas prêmios Nobel (Myron Scholes e Robert Nerton), dirigem fundos que foram para o saco na primeira marola da crise.

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Mas sou um observador atento da minha realidade e tenho o defeito grave de pensar essa realidade. Nos últimos cinco, sete anos, venho observando um fenômeno que sempre me intrigava e pior que isso me aborrecia. O surgimento de negócios em série, ou seja sempre que algum negócio se mostrava interessante proliferavam como ervas daninhas. Aconteceu no passado com as locadoras de vídeos.

Em Campinas onde moro, surgiram tantas locadoras de vídeo que chegou a ser considerada para o livro dos recordes. Resultado em dois anos fecharam 90% das lojas. Nesses últimos anos, o mesmo fenômeno aconteceu com lojas de colchões, salões de beleza, e agora de uma forma impressionante com revenda de automóveis.

Na minha grassa ignorância pensava: será que tem mercado para tanto carro? Mas as autoridades no assunto me respondiam: há uma demanda reprimida, tem espaço para todo mundo. Na vertigem de conquistarem “escala” os donos de uma revenda bem-sucedida, buscavam montar logo a segunda e depois a terceira e quantas fossem possível. Incentivados pelas financeiras que viam nos juros dos financiamentos o seu pote de ouro (pegavam dinheiro com investidores estrangeiros a 8% de juros anuais e praticavam 12 a 15% aqui) eles iam em frente. Resultado, começaram mesmo antes da crise a quebrar. No início do ano, um vendedor me confidenciou que chegou a vender 20 carros por dia, mas agora vendia apenas de 4 a 6. Mas em compensação só os seus patrões abriram no período 6 lojas.

A “crise” veio colocar um freio nessa voragem. Como eu disse para um cliente superambicioso: “nada cresce indefinidamente”.

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Lado oculto da crise

O lado oculto da crise é: precisamos baixar a bola! Não podemos crescer continuamente e em índices elevados. O crescimento vertical exige um preço elevado do planeta, exaure os recursos da Terra e deixa de saldo um passivo monstruoso que a natureza tem dificuldade imensa de metabolizar. Essa corrida alucinada rumo a lugar nenhum não poderia continuar livremente, é desumana.

Um estudo feito na Universidade da Pensilvânia, mostra que os americanos comem (em volume de alimentos) 25% mais que os franceses, que gastam (comendo menos) cerca de 100 minutos por dia na sua alimentação, enquanto os americanos (comendo mais) gastam cerca de 60 minutos. Resumindo, em busca de vencer a corrida da produtividade os americanos em média comem maior volume de alimentos, ingerem mais calorias, comem mais apressadamente e têm obviamente um índice de obesidade de 33%, enquanto entre os franceses esse índice é de apenas 7%.

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O que isso tem a ver com a crise? Tudo, o modelo americano, é o da afluência, do exagero, do over, por isso inflacionaram o mercado imobiliário em busca de “escala” e deu no que deu. Não é mera coincidência que os "pais" da crise sejam eles.

E nós aqui, o devemos fazer diante dessa ameaça à nossa frágil economia?

Primeiro

Nada de pânico, evitem ouvir e ver demais os gurus midiáticos, pois eles só se tornam estrelas quanto pior for a situação, então ora exageram, ora mentem mesmo, no que provoca o fenômeno da profecia auto-realizável: aquela que de tanto se apregoar acaba mesmo acontecendo por terem todos acreditado.

Segundo

Reduzir a vaidade de consumo. Isso significa ao invés de ter de comprar três pares de sapato de uma só vez, comprar apenas um, e não se deixar chantagear pela cultura consumista.

Mais importante: ser mais criativo

É nas grandes e pequenas crises que nascem os impérios. Pensem no que pode ser feito mais e melhor a sua volta. Há um mundo de possibilidades que a acomodação não lhe permitia ver. Um executivo financeiro trabalhou durante trinta e cinco anos num banco e foi agora (em nome da crise) dispensado. Segundo a mulher dele, o sujeito está desorientado. Sugeri a ele que procurasse oferecer seus serviços ao terceiro setor, ou seja, instituições que fazem filantropia, ONGs e congêneres. Ele arregalou os olhos como se eu tivesse falando obscenidades diante de crianças.

Vamos imaginar, apenas em termos metafóricos que teremos de diminuir o tamanho dos hambúrgueres, do saco de batatas fritas e do copão de milk-shake. Não seria uma boa oportunidade para combater a obesidade? Ou melhor, ainda para repensar a nossa dieta supercalórica? A crise é ruim, muitos vão chorar, mas podemos aprender muito com ela, podemos crescer e até renovar o nosso estoque de crenças sobre o mercado, e sobre a nossa própria vida nesse planeta.