Afinal, mesada é um bem ou um mal?

por Cybele Russi

Muitos pais têm nos perguntado se devem ou não dar mesada aos filhos. Em tempos em que as drogas andam soltas por aí, a questão da mesada virou assunto arrepiante. Como deixar um filho andar com dinheiro nas mãos quando ficou tão fácil adquirir drogas em qualquer esquina? Por outro lado, a criança e o jovem precisam ter algum dinheiro nas mãos para pagar suas pequenas despesas e até mesmo para aprender a lidar com o dinheiro. Então, a questão é: dar ou não dar mesada?

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Há pais que optam por entregar o dinheiro à criança cada vez que ela pede, para gastar com suas próprias necessidades e para pequenas compras diárias como balas, chocolates, refrigerantes, lanches na escola, figurinhas para álbuns, ingressos para shows, cinema, discos ou até um brinquedo muito desejado, ou uma roupa especial. Então, o pai ou a mãe verificam o valor do que será comprado e entregam a quantia certa e exata nas mãos do filho.

Essa estratégia é muito boa para algumas famílias, pois permite um controle total sobre tudo o que a criança gasta, como e onde gasta. Ou seja, a criança ou o adolescente não tem que se preocupar com valores, nem em administrar o dinheiro. Basta pedir e explicar seu destino ou finalidade, que o dinheiro lhe será entregue, tendo algumas vezes apenas que devolver o troco. Em algumas famílias, esse é o modelo de administração financeira. Há um "banqueiro" que administra as finanças da família, e quando necessário, libera verba para os demais membros e quase sempre, exige uma prestação de contas.

A mesada, como o nome já diz, é um dinheiro que a criança ou o jovem recebe, geralmente dos pais ou avós, uma vez por mês, ou por semana, em alguns casos, para gastar com suas necessidades pessoais ou para realização de seus pequenos sonhos de consumo.

Do nosso ponto de vista, a mesada é um elemento de grande importância na educação da criança, pois contribui muito na sua formação como cidadão e no seu processo de autonomia. E este talvez seja o aspecto mais valioso da mesada: a construção da autonomia e do senso de responsabilidade. Receber mesada quando ainda se é criança equivale a receber uma carta de crédito em branco, ou um voto de confiança. É uma forma bastante clara e objetiva de se dizer: "confio em você, não desmereça minha confiança". Isto tem um valor enorme na formação moral e na autoestima da criança, pois em seu juízo de valor ela começa a compreender desde cedo que deve corresponder à responsabilidade e ao crédito que lhe foram dados.

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Ao receber mesada na infância, a criança aprende desde cedo a lidar com o dinheiro, a atribuir-lhe um valor real e não fictício; aprende a gastar e a poupar; aprende o valor real das coisas no mundo e como se paga para obtê-las; aprende a controlar suas necessidades de consumo e de ser consumista, a diferença entre o caro e o barato, e aprende na prática, a matemática dos números, o que é somar, dividir, multiplicar, receber troco e mais tarde, o que são juros e multas. Pagamentos não realizados em dia são passíveis de cobranças de juros e de multas. Esta é uma das duras verdades do nosso mundo, não há com fugir dela, e é muito bom que comecemos a conhecê-la desde cedo.

Se não receber mesada na infância o que acontecerá é que a pessoa terá de aprender a lidar com isso na vida adulta, e muitas vezes, de forma extremamente dolorosa, pois pessoas tuteladas durante a vida toda têm dificuldades enormes para entrar em contato com a realidade, e um dos aspectos mais difíceis de realidade do mundo adulto é justamente saber lidar com o dinheiro e administrar um bem tão valioso num mundo cada vez mais consumista.

Entretanto, dinheiro não cai do céu. Não cai do céu para os pais, e não deve cair também para a criança. O dinheiro que recebemos, salvo raríssimas exceções, sempre é a remuneração por um trabalho realizado, seja um serviço, uma tarefa, um estudo, um favor prestado, uma ajuda, não importa, o dinheiro que recebemos é recompensa e pagamento de um esforço empregado para realizar algo. No mundo em que vivemos quem não trabalha não recebe. É a lei da vida, bastante sábia, por sinal. E é exatamente isso o que deve ser explicado e negociado com o jovem e com a criança para que recebam suas mesadas.

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Credor e devedor

Para que a mesada tenha um papel realmente significativo na educação da criança, é preciso que ela esteja associada ao cumprimento de um acordo entre as duas partes: o credor e o devedor. Não importa o tamanho do trabalho nem do esforço envolvido para sua realização, nem importa o tamanho ou a idade do credor da mesada, importa que seja negociado um valor por determinado trabalho ou serviço prestado, que será devidamente remunerado no dia combinado. E assim como só recebemos salário uma vez por mês, quando muito a cada quinze dias, a mesada também deverá ser paga no dia certo, mediante a realização do trabalho. Sem a realização do trabalho, não há remuneração. É assim que as coisas funcionam no mundo dos adultos, e é bom que isso esteja sempre bastante claro para todos: acordos existem para serem cumpridos.

O descumprimento de uma das partes desobriga a outra. Isto é de praxe em qualquer contrato. Por isso, não basta entregarmos o dinheiro na mão da criança gratuitamente, é preciso que ela possa atribuir um verdadeiro significado àquele dinheiro, significado este que será tanto simbólico quanto real. E a tarefa que será remunerada poderá ser desde tirar o prato da mesa e deixá-lo em cima da pia, como arrumar a própria cama, pendurar a toalha de banho no varal, arrumar o próprio quarto, passear com o cachorro, levar o lixo na lixeira, lavar o próprio copo de água, organizar a escrivaninha, lavar o carro ou arrumar a casa toda, não importa, cada família saberá encontrar uma tarefa para cada um. Ainda que haja um batalhão de empregados para lavar, cozinhar, passar, engomar e lustrar, sempre há algo que precisa ser feito.

Um vez recebida a mesada, a criança deverá ser informada de que a partir daquele momento aquele dinheiro lhe pertence e que, portanto, ela poderá usá-lo como bem entender, seja comprando balas e figurinhas, seja comprando doces, seja comprando jogos e brinquedos, seja emprestando a um amigo; ou comprando um presente para alguém querido; ou gastando tudo num único dia no shopping ou numa lanchonete com os amigos. Mas uma vez gasto, não o receberá de novo até o dia combinado, por isso, ela deverá controlar seu uso e gasto de forma bastante eficiente para não ficar sem nada até o dia do pagamento.

Para alguns pais, essa forma de lidar com o dinheiro com os filhos parece bastante chocante, agressiva e desnecessária, pois não veem sentido algum em "cobrar" responsabilidades dos filhos para que estes possam receber uma mesada. Alguns pais acreditam que basta serem pais e terem uma boa condição de vida para poderem "presentear" seus filhos com algumas quantias de dinheiro eventualmente.

Aparentemente, não há nada de errado em "dar" dinheiro aos filhos, afinal, pais são para isso mesmo. Mas este é um raciocínio ingênuo e enganoso. Pai e mãe não são para isso, para nos dar dinheiro, brinquedos e mimos, guloseimas e diversões. Pais são para educar e criar cidadãos saudáveis, autônomos e independentes, prontos para viver no mundo de forma equilibrada e respeitosa com seus semelhantes. É para isso que servem os pais. Os presentes, os mimos, as diversões, as guloseimas caras, os passeios, as férias, os computadores e jogos de última geração, são partes de um processo educacional, a que só têm direito aqueles que fazem por merecer. Não há sentido algum em se premiar quem não merece. E é assim que a mesada deve ser encarda, e só assim ela cumprirá seu papel de elemento educativo e construtor da cidadania responsável: como um prêmio meritório, aquilo que só recebemos por merecer, por termos feito algo digno de reconhecimento e de pagamento.

Mas o grande valor educacional da mesada é o de poder contribuir para a construção do processo decisório da criança pois, ao fazer suas escolhas, ela se dá conta de que ao gastar tudo em balas, figurinhas ou em bonequinhos, não sobrará nada para o tão sonhado jogo de computador. Tomar decisões é uma das etapas da formação educacional da pessoa. Crescer é ter que fazer escolhas. Ser adulto é tomar difíceis decisões.