Entrevista Carl Gustav Jung: um ser que sai da névoa

por Aurea Afonso Caetano

Fui convidada pelo editor do Vya Estelar para escrever uma resenha sobre uma entrevista concedida pelo psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) legendada em português. Bem… vamos a ela e assistam ao video após a leitura.

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Resenha

“Face to face” foi uma série de entrevistas realizadas entre 1959 e 1962 pela BBC com várias personalidades da época. Esta entrevista com Jung foi a única da série realizada fora do estúdio. Jung aos 84 anos recebe o entrevistador e sua equipe em sua casa em Bollinghen, em 22 de outubro de 1959. A repercussão da entrevista foi tão grande que Jung e seus colaboradores decidiram escrever um livro, “O homem e seus Símbolos”, apresentando as ideias da Psicologia Analítica ao público leigo. A observar a quantidade de sites e versões deste e outros vídeos em que Jung aparece, podemos perceber o imenso interesse que ele e a Psicologia Analítica continuam despertando.

Fascinante, a entrevista mostra um homem lúcido e com uma mente vivaz apesar da fragilidade de seus 84 anos. Única pergunta que nega responder é aquela a respeito do que diziam os sonhos de Freud, mostrando o cuidado ético que tinha com todas as pessoas, mesmo após a morte delas.

O entrevistador dirige a entrevista passando pelas questões mais importante da trajetória de Jung.

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O ponto de partida, depois da fala a respeito dos netos e bisnetos, é o momento em que Jung se percebe como um indivíduo, um ser que sai da névoa e é. Jung tinha 11 anos e diz “eu sou o que sou!”. Imediatamente a partir dessa constatação e a cada nova descoberta, ou afirmação, em um processo dialético, começavam as indagações. Se sou agora, o que era antes?

Se perceber como destacado dos pais e mais perceber o pai como alguém falível é parte dessa tomada de consciência. Enquanto estava na névoa, Jung era parte do grupo familiar, indiscriminado; no momento em que sai dela e diz eu sou, o outro passa a ser também o outro.

Nesse momento, discutindo as bases religiosas de sua família, o entrevistador faz a já célebre pergunta a Jung: “O senhor acredita em Deus?” Ele responde: não preciso acreditar, eu sei.

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Veremos ao final da entrevista, que isso define a forma como Jung lida com toda e qualquer questão – acreditar não existe para ele, precisa de razões, não pode simplesmente aceitar algo sem ter comprovações. Jung afirma aqui uma postura racional e científica diante das questões da vida. Quando há razões suficientes para uma determinada hipótese, então ele a aceita de forma natural.

Voltando à questão da escolha profissional, percebemos novamente um exercício de identidade no momento em que Jung, a despeito da facilidade do caminho já delineado, decide mudar o rumo a partir de um “chamamento”. Aqui, como em suas memórias ele assinala quanto a escolha pela psiquiatria dava conta de seus dois maiores interesses: a ciência natural e as questões históricas e filosóficas. Aí também a maior (ou única) critica que faz a Freud nesta entrevista: ele tinha uma abordagem muito pessoal e uma negligência em relação aos aspectos históricos do homem.

Jung e o inconsciente coletivo

Jung afirma, então, de forma categórica: somos moldados pela educação e através da influência dos pais, dependemos de nossa história. “Não somos de hoje ou de ontem, mas de uma era imensa”. Conta a partir daí que percebeu a existência do que chama “inconsciente coletivo” a partir do trabalho e observação com pacientes esquizofrênicos. Ao observar que pacientes negros americanos, internados em uma clínica psiquiátrica em Washington, tinham o mesmo tipo de sonhos que pacientes em outras partes do mundo, pressupôs a noção de camadas de inconsciente que seria coletivo, ou seja, comum a todos os homens.

Percebemos aí, mais uma vez, a forma de trabalho de Jung: a partir do levantamento de uma determinada hipótese, ele se propunha a conferi-la e ver se fazia ou não sentido, apenas então poderia aceitá-la. Ainda realizando esse mesmo exercício, conta nesta entrevista que escreveu o livro Tipos Psicológicos para fazer jus a Freud e também a Adler, ou seja para dar conta de compreender a existência de outras possibilidades de funcionamento que não a sua. Este me parece um exercício profundo de alteridade: perceber que a minha visão não é a única possível e dar ao olhar do outro o status de realidade também possível.

Epílogo: alienação do homem moderno

A entrevista termina com uma fala absolutamente importante e atual: a alienação do homem moderno e a importância da psicologia para o maior entendimento da natureza humana.

Há uma dissociação coletiva, lembremos a data em que essa entrevista foi realizada, o homem não aguentará sua nulificação e haverá uma reação. Todos procuram sua existência, o homem não pode suportar uma vida sem sentido.

Fica para nós a responsabilidade deste trabalho, precisamos seguir tentando compreender mais e mais a natureza humana, buscando a reafirmação do individual no meio do coletivo. Ou seja, ainda a proposta inicial de Jung – sair da névoa que nos confunde e impede um olhar verdadeiro e descobrir quem somos, levando em conta nossa individualidade e também todas as camadas coletivas de nossa existência.
 

Entrevista Carl Gustav Jung: um ser que sai da névoa

Proposta de Jung
"… sair da névoa que nos confunde e impede um olhar verdadeiro e descobrir quem somos…"

Assistam em Vídeos a entrevista completa com o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) legendada em português.

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A psicóloga junguiana Aurea Caetano, que colabora no Vya Estelar escreve com exclusividade esta resenha comentando a entrevista.

Resenha

"Face to face" foi uma série de entrevistas realizadas entre 1959 e 1962 pela BBC com várias personalidades da época. Esta entrevista com Jung foi a única da série realizada fora do estúdio. Jung aos 84 anos recebe o entrevistador e sua equipe em sua casa em Bollinghen, em 22 de outubro de 1959. A repercussão da entrevista foi tão grande que Jung e seus colaboradores decidiram escrever um livro, "O homem e seus Símbolos", apresentando as ideias da Psicologia Analítica ao público leigo. A observar a quantidade de sites e versões deste e outros vídeos em que Jung aparece, podemos perceber o imenso interesse que ele e a Psicologia Analítica continuam despertando.

Fascinante, a entrevista mostra um homem lúcido e com uma mente vivaz apesar da fragilidade de seus 84 anos. Única pergunta que nega responder é aquela a respeito do que diziam os sonhos de Freud, mostrando o cuidado ético que tinha com todas as pessoas, mesmo após a morte delas.

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O entrevistador dirige a entrevista passando pelas questões mais importante da trajetória de Jung.

O ponto de partida, depois da fala a respeito dos netos e bisnetos, é o momento em que Jung se percebe como um indivíduo, um ser que sai da névoa e é. Jung tinha 11 anos e diz "eu sou o que sou!". Imediatamente a partir dessa constatação e a cada nova descoberta, ou afirmação, em um processo dialético, começavam as indagações. Se sou agora, o que era antes?

Se perceber como destacado dos pais e mais perceber o pai como alguém falível é parte dessa tomada de consciência. Enquanto estava na névoa, Jung era parte do grupo familiar, indiscriminado; no momento em que sai dela e diz eu sou, o outro passa a ser também o outro.

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Nesse momento, discutindo as bases religiosas de sua família, o entrevistador faz a já célebre pergunta a Jung: "O senhor acredita em Deus?" Ele responde: não preciso acreditar, eu sei.

Veremos ao final da entrevista, que isso define a forma como Jung lida com toda e qualquer questão – acreditar não existe para ele, precisa de razões, não pode simplesmente aceitar algo sem ter comprovações. Jung afirma aqui uma postura racional e científica diante das questões da vida. Quando há razões suficientes para uma determinada hipótese, então ele a aceita de forma natural.

Voltando à questão da escolha profissional, percebemos novamente um exercício de identidade no momento em que Jung, a despeito da facilidade do caminho já delineado, decide mudar o rumo a partir de um "chamamento". Aqui, como em suas memórias ele assinala quanto a escolha pela psiquiatria dava conta de seus dois maiores interesses: a ciência natural e as questões históricas e filosóficas. Aí também a maior (ou única) critica que faz a Freud nesta entrevista: ele tinha uma abordagem muito pessoal e uma negligência em relação aos aspectos históricos do homem.

Jung e o inconsciente coletivo

Jung afirma, então, de forma categórica: somos moldados pela educação e através da influência dos pais, dependemos de nossa história. "Não somos de hoje ou de ontem, mas de uma era imensa". Conta a partir daí que percebeu a existência do que chama "inconsciente coletivo" a partir do trabalho e observação com pacientes esquizofrênicos. Ao observar que pacientes negros americanos, internados em uma clínica psiquiátrica em Washington, tinham o mesmo tipo de sonhos que pacientes em outras partes do mundo, pressupôs a noção de camadas de inconsciente que seria coletivo, ou seja, comum a todos os homens.

Percebemos aí, mais uma vez, a forma de trabalho de Jung: a partir do levantamento de uma determinada hipótese, ele se propunha a conferi-la e ver se fazia ou não sentido, apenas então poderia aceitá-la. Ainda realizando esse mesmo exercício, conta nesta entrevista que escreveu o livro Tipos Psicológicos para fazer jus a Freud e também a Adler, ou seja para dar conta de compreender a existência de outras possibilidades de funcionamento que não a sua. Este me parece um exercício profundo de alteridade: perceber que a minha visão não é a única possível e dar ao olhar do outro o status de realidade também possível.

Epílogo: alienação do homem moderno

A entrevista termina com uma fala absolutamente importante e atual: a alienação do homem moderno e a importância da psicologia para o maior entendimento da natureza humana.

Há uma dissociação coletiva, lembremos a data em que essa entrevista foi realizada, o homem não aguentará sua nulificação e haverá uma reação. Todos procuram sua existência, o homem não pode suportar uma vida sem sentido.

Fica para nós a responsabilidade deste trabalho, precisamos seguir tentando compreender mais e mais a natureza humana, buscando a reafirmação do individual no meio do coletivo. Ou seja, ainda a proposta inicial de Jung – sair da névoa que nos confunde e impede um olhar verdadeiro e descobrir quem somos, levando em conta nossa individualidade e também todas as camadas coletivas de nossa existência.