Psicólogo pode ajudar o paciente a colocar em palavras o que passa dentro de si

por Luís César Ebraico

Na hora de ajudar um paciente a colocar em palavras o que se passa dentro de si, um pouco de criatividade é algo bastante bem-vindo. Vejamos um exemplo:

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PACIENTE: — Tô querendo falar uma coisa, mas estou com medo de ser injusta com você.

LC: — Tá incluído no preço, pode continuar.

PACIENTE: — Bem, eu estou achando que eu fiz blá, blá, blá, blá, blá, blá…, que me ferrou, porque me deixei influenciar por seu comentário de que blá, blá, blá, blá, blá, blá… Acho que, se você não tivesse falado aquilo, eu não tinha feito a besteira que fiz, e fico culpando você, embora, na verdade, você tenha dado apenas um exemplo. Talvez, se você não tivesse dado aquele exemplo, eu não tivesse agido daquela forma, mas, afinal das contas, você não me disse para eu FAZER nada, fui eu, não você, quem tomou a decisão e agiu de uma maneira que me prejudicou. A culpa, na verdade, é minha, mas eu fico culpando você.

LC: — Bem, mas você acha provável que, se eu não tivesse feito aquela intervenção, você não tivesse feito blá, blá, blá, blá, blá, blá…, o que lhe prejudicou, certo?.

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PACIENTE: — Certo.

LC: — Gostaria de fazer dois comentários a respeito. Posso fazer agora, ou vou atrapalhar suas associações?

PACIENTE: — Pode fazer agora.

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LC: — Obrigado. São os seguintes. Primeiro, temos uma certa tendência, em nossas relações interpessoais, de, frente ao fato de que 1+ 6= 7, e sete é algo indesejável, tentar descobrir que é o responsável pela ocorrência do 7, o 1 ou o 6. Ocorre que, por mais que 1 seja muito menor do que 6, a verdade, é que, sem ele, tanto quanto sem o 6, o 7 não teria ocorrido. Acho que é muito mais produtivo que o 1 e o 6 reconheçam sua participação no resultado final e, em vez de pedir que o outro deixe de entrar na equação, se encarregue cada um de ele próprio não o fazer. Essa é uma boa regra para nossas relações cotidianas e, por isso, a menciono aqui. Segundo, nossa relação não é uma relação cotidiana. A Psicanálise ocorre em um espaço VIRTUAL, não em um espaço REAL. Nesse espaço, que eu e você optamos por estabelecer, você tem todo o direito de achar que eu sou culpado ou inocente – seja eu ou não – seja incompetente ou competente – seja eu ou não – etc., etc., ao infinito. Por isso afirmei, algo galhofeiramente, que você me achar culpado “está incluído no preço”, na verdade, está incluído em nossa combinação.

PACIENTE: — Bem, isso me fez lembrar que blá, blá, blá, blá, blá, blá…

Note-se que, além de haver conseguido fazer a paciente – tratava-se de uma mulher – retomar seu fluxo de comunicação, eu também transmiti a ela – quando lhe pedi licença para fazer meus comentários – que, para mim, é importante que esses comentários não interrompam tal fluxo, se ele já foi recuperado.  Com efeito, frequentemente, informo ao paciente de que gostaria de fazer algum reparo, mas que vou esperar o momento em que ele considere adequado que eu o faça.  E note-se também o valor dado pela técnica *loganalítica (de loganálise filhote da psicanálise) à dimensão PEDAGÓGICA da relação: um paciente que entende melhor a natureza do processo psicoterápico – e meu comentário sobre a VIRTUALIDADE do espaço em que esse último ocorre visava a tornar mais preciso esse entendimento – é um paciente muito mais capaz de colaborar para o sucesso de seu tratamento.