Sou bipolar, faço tratamento há treze anos e não me curo

por Joel Rennó Jr.

“Os remédios sempre precisam ser substituídos, pois param de fazer efeito. A sociedade e muitos profissionais de saúde chegam a acusar os laboratórios e a psiquiatria de criar diagnóstico para tentar legitimar a comercialização de medicamentos com preços exorbitantes e promessas milagrosas. Considero que nós pacientes, em muitos casos, somos desconsiderados em toda essa discussão sobre a genuinidade das doenças. Chego a duvidar que sou doente”

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Resposta: O transtorno bipolar é uma doença crônica e requer o uso de medicamentos conhecidos como “estabilizadores de humor”. É bom frisarmos que os estabilizadores de humor, apesar de poderem causar alguns efeitos colaterais administráveis, não causam dependência. O curso da doença pode variar ao longo dos anos, com períodos de melhora alternados com períodos de piora e nesses casos o esquema medicamentoso precisa ser revisto regularmente pelo psiquiatra com consultas médicas mensais ou a cada dois meses.

A evolução varia de pessoa para pessoa, há diferentes níveis de gravidade e incapacitação para o transtorno bipolar; é uma doença com vários subtipos diferentes. O diagnóstico é categorial (por categorias de sintomas) e todos os transtornos mentais, como o transtorno bipolar do humor, são classificados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como doenças de fato e reais cujo critério diagnóstico é eminentemente clínico.

Apesar dos avanços das pesquisas científicas com dados de estudos clínicos, genéticos e de neuroimagem, não há até o momento a cura da doença e sim o seu controle como ocorre em outras doenças clínicas crônicas como diabetes, hipertensão arterial sistêmica, parkinson e outras.

Fatores relacionados à genética familiar e à personalidade do indivíduo, aos conflitos dos ambientes familiar, conjugal e profissional podem funcionar como “gatilhos” desencadeadores de possíveis piora do curso ou mesmo recaídas – e as pessoas associam tal piora da doença à ineficácia dos medicamentos.

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Desenvolva novas estratégias

A psicoterapia cognitivo-comportamental e a interpessoal, além de grupos de autoajuda (www.abrata.org.br), costumam também ser instrumentos de ajuda terapêutica significativos. Saber desenvolver novas estratégias para lidar com conflitos existenciais e buscar soluções criativas é importante em qualquer transtorno mental.

Infelizmente, toda doença mental gera resistências por parte do paciente e também por parte da sociedade e o preconceito se espalha difusamente até hoje. Ninguém se importa quando toma um medicamento para diabetes, mas quando há um psicotrópico envolvido todos ficam reféns de medos, incertezas e até discriminações despropositadas. Muitos até se arriscam ao não procurar o especialista correto que é o psiquiatra (com medo de serem taxados de loucos) e ficam reféns de médicos generalistas despreparados para o correto diagnóstico e tratamento psiquiátrico.

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Fico perplexo, quando em pleno século 21, ainda assisto às cenas dantescas de marginalização do doente mental na sociedade como se os que não sofrem de transtornos mentais fossem “seres superiores”. Qualquer indivíduo, com ou sem antecedentes hereditários, pode vir a sofrer, em algum momento de sua vida, de transtorno mental, mesmo aqueles considerados “superiores” em todos os níveis de análise social, econômica, intelectual e educacional.

Até mesmo em telenovelas globais, responsáveis por trabalhos que deveriam ter uma finalidade social e humanitária como pregam o tempo todo, há, ultimamente, conceitos distorcidos da área de saúde mental de forma abusiva – envolvendo uma deturpação dos modernos tratamentos psiquiátricos atuais que são altamente científicos e humanitários, além de criteriosos – a era dos manicômios cessou-se há muito tempo no Brasil, felizmente.

Os autores têm ou deveriam ter a obrigação de busca incessante de melhores pesquisas e consultorias médicas. O fato de ser uma mera ficção não justifica, por parte dos autores mal informados e até ignorantes em alguns aspectos, que atrocidades fantasiosas, preconceituosas e cruéis sejam mostradas no tema saúde mental para milhões de pessoas sem quaisquer conhecimentos específicos atualizados e corretos da realidade da psiquiatria contemporânea. Isso só piora o estigma que o paciente com qualquer transtorno mental já carrega como peso em sua vida sofrida e o afasta do tratamento correto.

Infelizmente, apesar do telespectador saber que se trata de uma mera ficção, há sim influência significativamente das telenovelas nas mudanças de padrão de comportamento da sociedade, para o bem ou para o mal.

Não é por acaso, portanto, que o doente psiquiátrico tem medo de falar que faz tratamento para as doenças mentais, porque se sente marginalizado e pré-julgado o tempo todo pelo corpo da sociedade pseudointelectual e preconceituosa. Temos muito a evoluir nesse sentido.

Atenção!

Esse texto e esta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracterizam como sendo um atendimento. Dúvidas e perguntas sobre receitas e dosagens de medicamentos deverão ser feitas diretamente ao seu médico psiquiatra. Evite a automedicação.