Como recomeçar do zero?

por Roberto Goldkorn

Uma cliente está se separando do marido e tem de abandonar a casa pelo acordo firmando entre eles. Ela está em grande sofrimento, sente que está sendo banida, arrancada de suas “raízes”, que vai sair derrotada, e se vê diante de uma vida e de um futuro incerto.

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Todos nós já passamos algum dia por um momento assim, ter de abandonar um palco conhecido e partir em direção ao oceano desconhecido e por isso temido.

Todas a argumentações de que será uma nova oportunidade de começar de novo, conhecer pessoas novas, fazer diferente, errar menos… caem por terra. Não é só o medo do novo que paralisa, é o apego que trava as articulações e impede o primeiro passo. Mesmo que deixar para trás esse palco signifique dar às costas ao cenário de todo o sofrimento, das grandes perdas, das noites vazias e angustiadas. O apego abstrai tudo isso e se prende às paredes frias obsessivamente.

Quando vemos uma pessoa que alega ter perdido tudo, que afirma estar arrasada e sem nada, relutando em sair para uma vida desconhecida (e portanto cheia de possibilidades), vamos ver também um Ego avantajado, que reluta em perder.

Não nos enganemos, esse ser que sofre intensamente, sofre mais pelo falso ego ferido. Minha cliente me confidencia: “Só de pensar que ele vai estar nessa casa rindo e gozando com outra me revolto e não quero sair.”

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Contra-ataco: E daí? O que você tem a ver com ele? Ele é o passado, está morto, só falta enterrá-lo. A questão é você: você está viva, e tem um futuro à sua frente que precisa ser tecido – e não se faz isso olhando para trás!

Arrumar as malas para um ego ferido é assinar a derrota, e passar o recibo de que perdeu e constelar na mente enfraquecida a imagem dos retirantes ou dos desalojados pela guerra.

Nada mais longe da verdade, mas o que importa a verdade se um decreto já foi emitido pela cabeça da “vítima”? Que palavras serão capazes de reverter essa formatação nefasta esse download da derrota, ao invés das infinitas e fantásticas possibilidades à frente?

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Como se muda em algumas horas programas esclerosados há décadas no fundo da mente de alguém?

Existe para complicar, o fator cultural. Uma conspiração de conceitos antifelicidade, enlatados, burros que podem até ter tido serventia há séculos para uma ou outra pessoa, mas que agora não servem mais. Alguém chega ao ouvido da vítima e sussurra: “Mas ele tem de pagar, você tem de fazê-lo sofrer, como vai abandonar a sua história, suas raízes? Vai deixar tudo de mão beijada?” No caso da minha cliente aconselhada por um bom advogado, está saindo da sociedade conjugal com um belíssimo patrimônio. Sofre de barriga cheia, mas de espírito vazio.

Não somos educados a compreender e praticar o mantra de que não somos donos de nada, nada nos pertence de verdade, tudo é alugado, cada coisa, cada alfinete cada relação e até os sentimentos. Tudo transitório, todos patrimônios fugazes.

Cada morte é uma chave para outra dimensão e outras possibilidades. Pode ser para a porta do inferno (se ele já estiver dentro de você) ou portas para miríades de paraísos.

Mas é preciso deixar de ser lagartixa e descolar dessas paredes frias.