Redes antissociais

por Ana Luiza Mano, David Melo da Luz, Marcio Berber Diz Amadeu – Psicólogos componentes do NPPI

A popularização e o aumento da utilização das chamadas “redes sociais” nos últimos anos tem sido tema frequente em debates e discussões dentro do meio científico.

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Autores das mais diferentes áreas e campos de atuação têm apresentado análises científicas para tentar explicar o surgimento e implicações desse fenômeno.

Alguns desses pesquisadores, tais como Diana Tamir e Jason Mitchell, da universidade de Harvard, por exemplo, buscam respostas para o sucesso do fenômeno das redes sociais nas bases biológicas do comportamento. De acordo com as pesquisas conduzidas por esses pesquisadores, o prazer obtido com a rede social seria semelhante ao conseguido através de sexo e comida.

Outro trabalho que traça um caminho parecido foi apresentado por David Rock, (neurocientista, fundador e presidente do NeuroLeadership Group), no artigo: “Seu cérebro no Facebook”. Nele, o autor afirma que o cérebro possui uma região que está sempre conectada com nosso lado social, onde aconteceriam nossos pensamentos sobre nós mesmos e sobre as outras pessoas. Nesse sentido, o que foi apresentado é que o “passatempo” favorito de nosso cérebro, quando não estamos focados em outra coisa, seria ficar pensando sobre pessoas. Por outro lado, quando estamos focados em outra atividade, essa região se “desliga” durante aquele tempo. O que foi ressaltado é que bastam apenas dois segundos de inatividade para que essa região volte ao modo “passatempo” novamente.

Uma ressalva deve ser feita quanto à utilização desses modelos ditos “biológicos” de explicação do fenômeno das redes sociais. Não apenas na relação social entre dois homens, mas a própria relação do homem com a máquina implica em um envolvimento dinâmico onde o homem dá sentido à interação com a máquina. As interações dos homens implicam em fenômenos que só podem ser explicados se olharmos para além da estrutura biológica. Por exemplo, ver e enxergar: para que um ser humano possa ver, é necessário um aparato orgânico que comporte essa função; enxergar é diferente disso, pois só enxergamos o que conhecemos. Só é possível enxergar algo que faz sentido na nossa história, e que de alguma forma faz parte da nossa realidade enquanto conhecimento aprendido.

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O mesmo ocorre com o ouvir e o escutar. As palavras escutadas só fazem sentido dentro de um contexto, e esse “sentido” é aprendido ao longo da nossa história através de nossas relações sociais. Duas pessoas escutam o mesmo som, mas cada uma irá entendê-lo de uma maneira diferente, dependendo da relação que elas estabelecem com o som: esta relação é construída na interação da pessoa com o mundo, bem como os sentidos das palavras escutadas são construções sociais. Escutar envolve apenas a interação das ondas sonoras com o aparato orgânico. Ouvir é diferente disso, envolve o entendimento ou a compreensão do que é “escutado”.

Por isso muitas vezes entendemos errado uma mensagem, temos ilusões de ótica ou auditivas. E com a internet isso se intensifica, pois podemos mais facilmente compreender as coisas de forma imprecisa na comunicação virtual, visto que há mais possibilidades de interpretação nesse cenário. Nesse sentido, também é possível ter uma compreensão bastante particular sobre as experiências vividas nesse ambiente. Portanto, as explicações químicas e orgânicas do fenômeno humano nas redes sociais, apesar de serem importantes, por si só, não esgotam a possibilidade de compreensão desse fenômeno.

O professor de psicologia Kevin Earnes da universidade Covenant College aponta o fato de que as redes sociais estariam nos deixando mais “antissociais”, por conta da maneira que agimos dentro de uma situação social quando ficamos focados apenas no conteúdo que elas nos apresentam, e deixando de interagir no ambiente presencial. Porém, antes de concordar ou discordar dessa afirmação, é importante levantarmos dois pontos.

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O primeiro deles diz respeito do porquê deveríamos chamar a ação de uma pessoa utilizar redes como Facebook e Orkut como antissocial. Pessoas não se relacionam com máquinas nas redes sociais, e sim com outras pessoas. Uma pessoa que passa o tempo inteiro numa rede social está, em maior ou menos grau, socializando, ou interagindo, ainda que de forma passiva.

Um segundo ponto diz respeito a relacionar certos problemas humanos como causados pelas redes sociais. O ser humano tem em sua história diversos marcos em seu desenvolvimento, alguns mais marcantes, outros, nem tanto. De todo modo, a Internet entra na história da humanidade numa determinada época, que envolve não apenas o avanço da tecnologia, mas que nos faz repensar para onde estão caminhando nossos hábitos e o quanto pode ser válido rever nossas noções de contato, relações, identidade e continuidade como um todo.

O contato que se estabelece online possui algumas características peculiares: algumas vezes podemos ver o outro, outras vezes podemos ouvi-lo, e também é possível ler o que o outro nos escreve em tempo real. A partir daí, o que se pode dizer sobre a maneira como as relações se estabelecem, de modo a participar na formação da identidade de um indivíduo? Será que o contato que estabelecemos pela Internet pode ser menos “real”, em termos de experiência vivida, para quem se dispõe a viver essa virtualidade como parte de seu cotidiano?

De algum modo, é possível afirmar que a vida é um movimento contínuo, e que a Internet vem nos revelando uma maneira de interagir sem estar cara a cara, de modo síncrono ou assíncrono.

De fato, novas eras trazem novas questões, que exigem que o homem se movimente, se reinvente e, com isso, se transforme. Adaptar-nos a qualquer nova tecnologia que surja é um movimento natural, porém que nem sempre acompanha a velocidade das mudanças que o mundo de hoje nos propõe. Por isso, é importante escolher por quais caminhos se deseja seguir, e cuidar para que a ferramenta esteja sempre a nosso favor, ao invés de ser um obstáculo a enfrentar. Portanto, as redes sociais podem ser bem ou mal utilizadas de acordo com o uso que se faz delas.

Porém, não devemos cair na ilusão de que a Internet esteja inaugurando uma capacidade do humano de se comportar de forma compulsiva, ou que uma má interpretação auditiva ou visual seja exclusividade dessa era. De algum modo, o mundo virtual apenas volta a colocar em evidência novas formas de entrar em contato com as diversas facetas e possibilidades intrínsecas aos seres humanos em todas as épocas de sua existência. E você, caro leitor, o que pensa sobre o assunto?

Fontes:
http://blogs.hbr.org/cs/2012/05/your_brain_on_facebook.html?awid=4944464826693272441-3271
http://www.timesfreepress.com/news/2009/oct/08/poor-grades-linked-too-much-socializing/?print