Por que é preciso refletir sobre cada ato do presente

por Roberto Goldkorn

Recentemente assisti com outras pessoas cenas de um baile funk em que meninas de 13, 14 anos vestidas com shortinhos dignos do nome, faziam movimentos simulando um ato sexual. Mais tarde ficamos sabendo que em muitos desses bailes, o sexo acontece assim mesmo em pé e no ritmo da música. É comum a menina nem mesmo ver o rosto do rapaz com quem está “fazendo aquilo.” Uma amiga mais conservadora repetia ruborizada a frase: “é o fim dos tempos”, outro dizia: “É a Babilônia piorada”, numa referência à esbórnia retratada na Bíblia dessa cidade da Antiguidade.

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Fiquei calado, pensando, fascinado pelas duas expressões que estavam desfilando a minha frente: a vulgarização do sexo acumulado com crimes previstos no código penal, e a reação de representantes de outra cultura.

Essas pessoas que se indignavam com a depravação dos bailes funk participaram de festinha do “cabide” nas décadas de 60/70, de bailes de carnaval onde valia tudo, e rolava de tudo no estacionamento do clube, nos jardins e encostados nos carros, sem nem mesmo saber os nomes dos seus eventuais parceiros.

Isso é lógico não lhes tira o direito à indignação, pois se trata de menores, além é claro da violência que cerca muitas vezes esse sexo-funk, onde as meninas que não cedem por bem vão fazê-lo na marra.

Voltando ao meu estado meditativo anterior vou dividir com vocês os meus pensamentos. Viajando pensei: será que o menino é o pai do homem como sabiamente dizia Machado de Assis? Quero dizer, será que não fomos nós que turbinamos a revolução de costumes dos anos dourados, e começamos a liberar o sexo das teias da moralidade hipócrita e quem abriu as portas dos bailes funksex? Será que o nosso “faça amor e não faça a guerra” não foi a primeira estrofe da música onde as “cachorras popozudas vão encaixando devagarinho o popozão no meu…”?

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Será que quando berrávamos nas ruas o abaixo a repressão! não estávamos assinando um cheque pré-datado para as drogas, o sexo banalizado e a impunidade como norma?

Minha especulação é muito simples, e pode ser aplicada a vida de cada um: tudo tem uma origem, tudo começa em algum ponto, mas não podemos dizer como, quando ou de que forma vai estar no futuro. Isso se aplica tanto as sociedades como ao indivíduo. Se hoje estamos “sem amigos à nossa volta” foi porque há vinte anos resolvemos “viver só para a nossa família”. Se estamos sem dinheiro foi porque um dia acreditamos que “o dinheiro não traz felicidade”, ou que é mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar para o reino dos céus”. O menino é o pai do homem, ou “é de menino que se torce o pepino” sua versão mais popularesca nos fala disso: origens.

Quando em 1900 o então chefe de polícia do Rio de Janeiro mandou um relatório para as autoridades alertando para o perigo que representava o crescimento desordenado da população das favelas, e foi ignorado estava se criando e fermentando o que hoje fere a cidade (e o país) mortalmente. Os bailes funk não vieram no bojo de um asteróide alienígena direto para os morros e periferias eles são a germinação de semente mais antigas.

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Infelizmente não vivemos como quem joga sinuca ou xadrez, não avaliamos as consequências futuras (será que adiantaria alguma coisa?) de nossas atitudes ou da falta delas. Mas vamos viver para senti-las ou os nossos descendentes. Nada fica impune, nada que fazemos, deixamos de fazer fica sem resposta do Universo. Dizemos que queremos o melhor futuro possível para os nossos filhos e netos mas continuamos a usar o carro freneticamente, não reciclamos lixo, e elegemos a escória para nos governar. Dizemos que queremos ver nossos filhos formados e bem criados mas na prática fumamos dois maços de cigarro por dia, comemos a pior porcaria possível, engordamos, nos sedentarizamos e ainda temos a pachorra de achar que podemos fazer isso impunemente.

Depois desse voo do pensamento tive vontade de dizer para os meus amigos todos cinquentões como eu: Gente, nós criamos o baile funk quando decretamos que é proibido proibir, o baile funk é tão nosso que deveríamos ir até lá cobrar direitos autorais.

Diante dessa constatação me pergunto: e agora o que estamos criando? Tudo que estamos (não) fazendo vai dar onde? Como minha bola de cristal está na revisão dos 50 anos, resolvo dar um chute. Acho que daqui a trinta anos vamos ter duas possibilidades: as filhas das funkeiras estarão de burka sendo açoitadas pelos ficais do talebã da Ladeira dos Tabajaras (Copacabana), ou o baile de hoje vai parecer coisa de convento franciscano perto do que vai rolar. Pessoalmente não me aflige mais essa questão, saindo daqui apenas espero o nascimento de Sofia e vou cuidar do meu jardim.