Cada um na sua vez

por Angelina Garcia

Meses e meses se preparando para o concurso. Chegava a hora. Sono mal dormido, culpa pela falta de emprego fixo, assistindo à empregada ir embora, aos filhos mudarem de colégio e à esposa fazendo mágica para que seu salário conseguisse suprir as despesas mais básicas. Ele contribuía com o pouco que chegava dos bicos esparsos.

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Nervos à flor da pele. Era assim que Nestor se sentia à véspera da prova. Em momentos como esse, a pessoa precisa, sim, ser considerada o centro das atenções e ter seu espaço preservado.

Da mesma forma como um colega de palco, não se contendo na vez do outro, chama para si a atenção da platéia no exagero de um gesto, numa mudança de marca, ou mesmo no leve meneio de cabeça, ou na direção de um olhar; também na vida encontramos mestres em roubar a cena. Seria o caso, por exemplo, se a mulher do Nestor insistisse em convidar as amigas, cada uma com o prato salgado ou doce, para festejar seu aniversário naquele sábado que antecedia à prova do marido, justificando que aniversário precisa ser comemorado no dia. A menos que ele pudesse usar a festa para relaxar, mas não se fosse tirar-lhe a concentração. O dia era dele, e a esposa poderia bem se contentar com as flores e com o café na cama, pelo menos por hora.

Algum de nós já vivenciou, ou presenciou situações específicas, fundamentais até, nas quais não reconheceu o espaço do outro, ou não teve o seu reconhecido. São aquelas quando precisamos de absoluto silêncio, e o outro despenca falar de um assunto que em nada prejudicaria fosse abordado mais tarde; ou resolve fazer exatamente agora a arrumação da casa, já várias vezes adiada, e não pára de perguntar o que deve ou não ir para o lixo.

A indelicadeza em roubar a cena aparece naquela que quer mais atenção que a própria noiva. Exagera no vestido, no penteado, no discurso improvisado.

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Existe até quem compete com o morto. Nem era tão ligado a ele assim, mas faz tamanha cena de comoção no velório, que acaba carregando consigo uma meia dúzia para lhe dar consolo.

Ninguém suporta conviver com gente mimada, mas, vez ou outra, qualquer um de nós tem, sim, necessidade de ser o centro das atenções.

 

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