O que fazer quando a religião traz conflitos para a vida afetiva?

por Anette Lewin

“Ajude-me a ajudar minha sobrinha. Ela é evangélica, está com 34 anos e se separou. O casamento foi curto e desastroso. Agora ela está triste e sozinha. A religião não permite a separação oficial para ela poder buscar outro relacionamento. Ela está sem forças para retomar uma nova vida. Detalhe: é filha única e voltou para a casa da mãe, sem um emprego formal.”

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Resposta: Sua sobrinha se encontra numa situação em que se sente, provavelmente, num beco sem saída. Essa sensação está vinculada a um fracasso amoroso e à impossibilidade de repará-lo através de um novo relacionamento, proibido pelas regras de sua religião. Por essa ótica, realmente fica difícil enxergar qualquer luz no fim do túnel.

No entanto, se ela olhar sua vida como um todo perceberá que, caso queira continuar seguindo seus preceitos religiosos, ela apenas não pode se separar oficialmente. No momento, pode trabalhar, viver sua vida, viajar, estudar; e se mais tarde sentir necessidade de um novo relacionamento amoroso, pode sim procurar outro companheiro com quem possa reconstruir sua vida; mesmo que para isso tenha que reavaliar seu vínculo com a religião. O importante é que essa reconstrução recomece o mais breve possível.

Voltar para a casa da mãe pode até ser reconfortante num momento de aflição. Afinal, dentro da religião, nesse momento, ela não consegue enxergar nenhum conforto, apenas a condenação pelo que não deu certo em sua vida. E ela precisa de acolhimento. Ainda bem que a mãe a recebe! O único cuidado que ela deve tomar, como filha única, é entender que essa volta é temporária e evitar acomodar-se nessa situação. Mesmo morando por lá, é importante que ela faça uma avaliação de seu casamento, tente entender o que não deu certo, e disponha-se a seguir seu caminho pessoal, mesmo que ela tenha que abrir mão de algumas crenças para buscar um estilo de vida que possa chamar de seu.

Nesses momentos, procurar uma ocupação ajuda bastante. Se ela não tem um emprego formal, esta é a hora de pensar numa maneira de conseguir sua independência econômica. Trabalhar na informalidade, ser autônoma, viver de bico, não são opções inválidas. Mas dedicar-se ao que faz é mandatório. E em sua atual situação torna-se muito mais sensato ela usar seu tempo dedicando-se a algum trabalho, seja ele qual for, do que deixar pensamentos depressivos rondarem sua cabeça e acrescentar mais sofrimento ao que já existe.

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Seria adequado também que ela procurasse uma terapia para poder conversar sobre seus pensamentos, sentimentos e culpas. Você é apenas a tia, está envolvida com ela e, por mais que tenha vontade de ajudar, talvez não consiga a objetividade necessária num momento tão difícil.

Certamente sua sobrinha seguiu seu caminho até o casamento acreditando que tudo daria certo; certamente não trabalhou a hipótese de separação como uma possibilidade real. Mas nos dias de hoje ninguém mais se submete a uma relação amorosa sem que ela seja razoavelmente satisfatória. Talvez essa seja a hora de sua sobrinha refletir sobre suas próprias escolhas ao invés de continuar apegada rigidamente a regras de cuja elaboração ela não participou.

Nesse momento, talvez seja mais sensato entender que não existe vida sem risco. Todos estamos expostos ao risco de acertar ou errar. E sempre existe uma possibilidade de reparar algo que deu errado. Afinal, somos detentores do livre-arbítrio; podemos e devemos nos responsabilizar pelas nossas escolhas a partir do momento em que nos tornamos adultos. E respeitar a escolha dos outros. As leis, sejam elas religiosas ou não, devem ser encaradas como uma sugestão feita por pessoas que aprenderam algo com a vida. Nunca como uma imposição rígida e inquestionável.

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ATENÇÃO: As respostas do profissional desta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um profissional de psicologia e não se caracterizam como sendo um atendimento