Corrupção fragiliza ‘nosso espiritual’ coletivo e pessoal

por Roberto Goldkorn

A Noite dos Desesperados. Esse foi o título de um filme inesquecível. Durante a grande depressão nos EUA, organizavam-se maratonas de dança onde os casais dançavam até sucumbir de exaustão. Esse era o mote do filme. Sem meios para sobreviver pessoas se juntavam para participar desses torneios e faturar algum.

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Lembrei-me desse filme a propósito da nossa situação de desespero aqui no Brasil (e em outros lugares também não é muito diferente). Lembrei-me também de um rapaz que fez um curso comigo e um mês depois já anunciava nos jornais como profissional de “larga experiência”.

Depois soube que ele havia sido despedido de uma fábrica de fogões onde trabalhava. Isso aconteceu várias vezes. Uma cliente psicóloga e psicanalista que trabalhava num hospital público uma vez me confidenciou com amarga ironia: o governo finge que nos paga e nós fingimos que trabalhamos.

O desespero a falta de preparo e a falta de outros atributos morais de ambos os lados do balcão cria um dominó de incompetências que tende a nos arrastar a todos para um imenso buraco tanto econômico quanto social, moral e até espiritual.

O caso da Gautama, onde se criou uma teia de corrupção, alimentada por subornos de um lado e favorecimentos de outro é um clássico e trágico exemplo. As empresas desejam cortar os seus custos com funcionários de nível médio para baixo, assim contratam sem rigor o que aparecer. Pagam muito pouco, e assim apenas encontram gente despreparada em todos os sentidos.

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O que ainda não foi entendido, é que uma faxineira não é apenas uma máquina tosca de fazer limpeza. É um ser humano que vai de uma forma ou de outra interagir no ambiente de trabalho. A empresa pensa: qualquer imbecil sabe fazer faxina! Mas isso é um grave erro. No dia-a-dia do seu trabalho ela vai se deparar com inúmeras situações onde precisará usar discernimento, inteligência, educação, higiene pessoal, civilidade, etc (e põe etc nisso).

Mas isso só vai aparecer em situações de crise, ou quando alguém reclamar do cheiro forte dela, ou de que ela jogou líquido de limpeza no carpete que não pode receber esse líquido, ou que ela foi limpar a mesa e desligou o computador fazendo com que se perdesse dados preciosos.

Essa cadeia de corrupção da qualidade humana se espalha em todos os sentidos. Reconheço que existe um esforço localizado de alguns setores da sociedade para incrementar a qualidade profissional e pessoal de todos os agentes sociais. Mas isso é uma gota d’água no oceano de uma cultura do quebra-galho.

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A Gautama acreditou que ao invés de investir na qualidade dos serviços, pontualidade de prazos, excelência e técnica, seria muito mais barato investir na compra dos favorecimentos dos poderosos. Já os “poderosos” da hora criam mecanismos perversos que justamente favorecem o surgimento dos ‘gautamas’ da vida, e afugentam aqueles que utopicamente pensam em trabalhar corretamente. É a cultura do “gato”, do “gatilho”.

As conseqüências espirituais são também negativas. Uma tecitura de ressentimentos gerados pelas fraturas causadas pela incúria e deboche, fragiliza nosso espiritual coletivo e pessoal. Atrai energias que por afinidade estimulam o caos, para ver o circo pegar fogo. Precisamos reagir, brigar pela qualidade do ser humano, e quando esse não a possuir, investir na sua qualificação/educação, ou na sua punição severa e exemplar. O que está em jogo é a nossa sobrevivência moral.