Felicidade está ao alcance de todos?

por Joel Rennó Jr.

A todo instante, vemos estudiosos de diversas áreas do conhecimento humano dando receitas de felicidade. Sem dúvida, felicidade envolve um conceito complexo, dependente de múltiplas variáveis – objetivas e subjetivas.

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Quando leio ou ouço o termo “felicidade ao alcance de todos” confesso que fico preocupado. Gostaria muito que já tivéssemos atingido esse estágio, onde mudanças ambientais e comportamentais simples fossem capaz de ser suficientes para todas as pessoas. O “marketing” da promessa de felicidade também deve ser lucrativo (livros de auto-ajuda, palestras, construções de prédios com grandes áreas de lazer, escolas ou cursos que ensinam como alcançá-la).

Se houvesse um psicoterapeuta, filósofo, sociólogo ou psiquiatra com fórmulas mágicas ou comprimidos miraculosos que proporcionasse, indistintamente, a todos os seres humanos a tal felicidade plena, com certeza, estaria até ganhando um prêmio nobel. É o sonho de consumo de todos os seres humanos sem dúvida.

É claro que há fatores que aumentam a chance de felicidade, mas chegar a dizer que os mesmos geram a tal felicidade tem uma grande distância.

O mundo atual anda tão frívolo e superficial que surgem inúmeros profetas, alguns até envolvidos por títulos acadêmicos, em diversas partes do mundo capitalista e consumista.

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Quem duvida que um ambiente saudável e harmônico, que um bom espaço, que a tranqüilidade nas ações e atitudes diárias, que a capacidade de autonomia, além da contemplação da beleza e do tempo não ajudam na felicidade? É óbvio que sim, isso já é do conhecimento humano de décadas, nada novo.

O difícil é nós mudarmos o nosso comportamento, atitudes e mentalidade, dentro de um mundo excessivamente materialista, competitivo, agressivo e pragmático. Onde os valores de sobrevivência nos sufocam como um rolo compressor, aniquilando os ideais nobres e saudáveis das pessoas. É a lei da selva, o individulo sai tranqüilo e feliz de casa e acaba encontrando no trânsito lentidão e violência; no emprego, a inveja e a destrutividade das línguas, além de muitas humilhações. E não se submete a tudo isso apenas por dinheiro, mas geralmente, pela sobrevivência de toda a sua família.

Dinheiro ajuda na conquista da felicidade?

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No extremo oposto, atendo pessoas muito ricas e extremamente infelizes. E que até conseguem, em momentos específicos, executarem alguns dos passos acima, já que a busca de espaço, de ambiente saudável, de tranquilidade, de autonomia, da possibilidade da contemplação da beleza e do tempo livre podem ser facilitadas quando você tem dinheiro e uma ampla rede de suporte. Difícil é reunir tudo isso quando há carência plena de dinheiro, aqui também entra o papel e a responsabilidade essencial de nossos políticos pela ajuda na busca da felicidade da maioria das pessoas, um fenômeno dependente também de fatores sócioeconômicos abrangentes.

Paradoxalmente, não posso deixar de me lembrar de pessoas muito pobres e simples que são extremamente felizes. Posso afirmar que o ambiente em que vivem não é saudável, que o espaço onde habitam é minúsculo e cheio de insalubridades, que não têm tempo, nem dinheiro para meditar ou fazer yoga e muito menos têm poder de decisão ou autonomia em suas ações ou possuem tempo para relaxar. Como essas pessoas, então, podem ousar ser felizes de verdade? Não seria um paradoxo ou contra-exemplo concreto?

É impressionante, mas a resiliência de muitos sofredores e desfavorecidos é surpreendente e didática. Observo, apesar das adversidades, que tais pessoas, mesmo dentro do caos de suas vidas, conseguem criar seus espaços minúsculos de tempo para atividades simples como ligar para amigos. Suas expectativas são modestas, não ficam imaginando um mundo ideal extremamente distante da realidade que as cercam. Não usufruem de áreas de lazer fantásticas em condomínios residenciais, mas conseguem sentir felicidade em um simples gesto de solidariedade humana, alguns com extrema espiritualidade. São pessoas que nunca tiveram condições financeiras de receber instruções ou ajudas no “mercado da paz”. Portanto, as questões subjetivas são as principais. Observo que isso é muito mais significativo na busca da felicidade. Todos nós precisamos assumir nossos próprios desejos (isso é extremamente variável de pessoa para pessoa) e nos responsabilizarmos por eles. Não há uma medida única de tal desejo, isso é extremamente variável de indivíduo para indivíduo.

Antidepressivo e felicidade

Por fim, perguntam-me o tempo todo, por e-mails e nos atendimentos que eu realizo, se antidepressivo causa felicidade. É óbvio que os antidepressivos ajudam a eliminar os sintomas depressivos, entre eles a tristeza. Porém, prometer a felicidade é uma outra história, nunca tiveram tal função.

O objetivo de qualquer especialidade médica é melhorar a qualidade de vida e ajudar, se possível, na prevenção das doenças. Porém, não podemos nos esquecer que depressão em alguns pacientes pode ter uma carga genética importante, sendo seu curso, gravidade e tratamento independente de mudanças ambientais e comportamentais.

Qualquer psiquiatra gabaritado e consciente sabe que o tratamento envolvendo medicamento e psicoterapia é o indicado e ideal. Ninguém é reducionista. A diátese anteriormente existente entre psiquiatria e psicologia já está muito atenuada. Hoje, temos uma ampla cooperação. A boa prática psicoterápica envolve não só a análise dos momentos ruins e dolorosos, como também o destaque das horas boas, incentivando os pacientes através de reforços positivos. Surpreendo-me quando alguns profissionais enfatizam isso como se fosse uma grande novidade, uma descoberta do século XXI.

Na minha prática clínica, observo há muito tempo que inúmeros colegas psiquiatras e bons psicólogos sempre buscaram a abordagem de seus pacientes com essa completude. Ninguém seria tolo de afirmar que as neurociências, por mais evoluídas que estejam, possam ser suficientes para todos os pacientes no alívio de suas angústias e busca da felicidade. Suas descobertas fundamentais sempre serão completadas por outras práticas humanísticas, que o mundo materialista, agressivo e competitivo, que só visa à produtividade em massa, destruiu ou ignorou.

Outra preocupação minha: resultados de pesquisas de neuroimagem, embora importantes, nem sempre (ou quase nunca) refletem o que realmente ocorre no dia-a-dia da vida psicológica das pessoas. Há que se ter muito cuidado para transpor tais conhecimentos nas conclusões dos fatores geradores da felicidade: um fenômeno amplo, complexo, individualizado e sem receitas de bolo para todos.