Felicidade. Direito ou dever? Nenhum dos dois!

por Samanta Obadia

 
Atualmente, há uma crença do direito à Felicidade, a qual gera uma incapacidade crescente, principalmente nos jovens, em lidar com as frustrações.

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Ora, ora, esqueceram-se do que diz Nietzsche (1844-1900), “O que não me destrói me fortalece”?

Vivemos num mundo que valoriza a genialidade, a excelência dos genes. Onde a geração do ‘eu mereço’ deseja as soluções fáceis, e com sua esperteza busca os atalhos para atingir seus objetivos. Há um desprezo visível pelos ‘ordinários’, pelos esforçados, pela honestidade, pela disciplina, pelo tempo gasto e pela dedicação.

É uma geração de fracos, fruto de pais angustiados, que não têm o dever de garantir a felicidade de seus filhos, posto que a felicidade não é um direito do ser humano.

Na vida, não há garantia alguma de que seremos felizes. E eu rio com Garrincha (1933-1983), quando este filosofa, perguntando-se: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil?”.

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Afinal, o que é a felicidade? É a constante busca do prazer.

A palavra ”felicidade” em grego significa ‘eudamonia’(‘eu ’= bom e ‘daimonia’ = estado de espírito). É o bom estado de espírito que leva à completude. E a palavra euthymia, que significa a tranquilidade, a alegria, o bom humor, complementa esta ideia.

Os filósofos, eternos amigos da humanidade, tentam tornar viável a busca da felicidade. Como reforça Montaigne (1533-1592), “O ofício da Filosofia, que é a ciência de viver bem, é serenar as tempestades da alma”.

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Temos ainda as dicas de Demócrito (460 a.C- 370 a.C): “Ocupe-se de pouco para ser feliz”, e de Epicuro (341 a. C-270 a. C): “A quem pouco não basta, nada basta”. Com certeza, nunca imaginariam estes queridos amigos o quanto são sobrecarregadas as nossas agendas, atropelando os nossos espíritos, trazendo-nos angústia e ansiedade diariamente. Eles ficariam assustadíssimos com a quantidade de coisas desnecessárias que fazemos.

Caríssimos, evitemos gestos e pensamentos inúteis. Lembrem-se de que a mente é como um cavalo selvagem. Devemos acalmá-la com pensamentos aquietadores, já aconselhava o imperador romano Marco Aurélio (121 d.C -180 d.C). Ou seja, “é preciso livrar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a maioria dos homens”, ratifica Sêneca.

Devemos seguir e “aceitar os tropeços. Até porque são inevitáveis”, não é mesmo Zenão (333 a.C.-264 a.C)? Esta ideia influenciou os estoicos, que defendiam a serenidade diante do revés ou do triunfo. O que dentro da lógica da resignação, tornou-se um dos pilares do cristianismo.

Ora, ora, “para que tantos planos em vida tão curta?”, lembra Horácio (65 a.C.- 8 a. C). Afinal, não se preocupar com o que vem pela frente é ‘uma das maiores marcas da sabedoria’, complementa Epicuro.

“Não se deve pedir que os acontecimentos ocorram como você quer, mas deve-se querê-los como ocorrem: assim sua vida será feliz”, segundo Epíteto (55 d.C.-135 d.C.), porque “é mais fácil mudar seus desejos do que mudar a ordem do mundo”, ressalta Descartes (1596-1650).

Não ponha nos outros, nem em nada, a sua felicidade. Isso é fundamental para a vida feliz, pois “é digno de piedade quem depende dos outros”, afirma Montaigne, pois “todas as minhas esperanças estão em mim”, completa Horácio.

“Acima de tudo, o que nos torna mais imediatamente felizes é a jovialidade do ânimo (o bom humor), pois essa boa qualidade recompensa a si mesma de modo instantâneo. Nada pode substituir tão perfeitamente qualquer outro bem quanto essa qualidade, enquanto ela mesma não é substituível por nada”, afirma Schopenhauer (1788-1860).

“Todos os homens desejam alcançar a velhice, mas ao ficarem velhos se lamentam. Os velhos inteligentes, agradáveis e divertidos suportam facilmente a idade. A rabugice e o amargor são deploráveis em qualquer idade”, verifica Cícero (106 a.C – 43 a.C).

Atenção para mais um conselho do famoso imperador Marco Aurélio: “Previna a si mesmo ao amanhecer: vou encontrar um intrometido, um mal-agradecido, um insolente, um astucioso, um invejoso, um avaro”, pois não sabemos o que nos acontecerá adiante, e “teimar e contestar obstinadamente são defeitos peculiares às almas vulgares. Ao passo que voltar atrás, corrigir-se, abandonar uma opinião errada no ardor da discussão são qualidades raras das almas fortes e dos espíritos filosóficos”, corrobora Montaigne.

A felicidade está em viver a vida em seu tempo. “Acaso os adolescentes deveriam lamentar a infância e depois, tendo amadurecido, chorar a adolescência? A vida segue um curso preciso e a natureza dota cada idade de suas qualidades próprias. Por isso, a fraqueza das crianças, o ímpeto dos jovens, a seriedade dos adultos, a maturidade da velhice são coisas naturais, que devemos apreciar cada uma em seu tempo”, não é mesmo, caro Cícero?

Afinal, lembro-me agora de um provérbio judeu que diz, “não há nada mais alegre e especial do que as coisas acontecendo a seu tempo!”.

Ser feliz é crescer e ser melhor do que antes. Superar-se. Ainda que crescer seja compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor, pelo contrário, a engrandece porque depende de nossa participação para ter sentido.

Indicação de textos

BONDER, Nilton. Fronteiras da Inteligência. Editora Rocco, 2001.
BREHIER, Émile. História da Filosofia (Antiga). São Paulo, Mestre Jou, s.d.
BRUM, Eliane artigo “A crença do direito à Felicidade”, Revista época, 2011.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2002.
NOGUEIRA, Paulo – “Felicidade”, Revista época, 22/01/2007.
TEIXEIRA, Marcus do Rio O Espectador inocente, em: Ricardo Goldenberg (org.): Goza! Salvador: Álgama, 1997, p.71.
VERGEZ, André e HUISMAN, Denis. História dos Filósofos ilustrada pelos Textos. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1976.