Estudo da USP: escolas não estimulam a criatividade corporal de crianças

Da Redação

Estudo desenvolvido na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) analisou a movimentação dos corpos, os contatos físicos, as ordens com relação ao posicionamento e como os corpos ocupavam os espaços na sala de aula.

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“O que mais chamou a atenção foi o quanto é pedido para que as crianças fiquem quietas e, ao mesmo tempo, o quanto elas conseguem se movimentar, e o quanto criam suas linhas de fuga”, revela a pedagoga Adriana Maimone Aguillar, autora da pesquisa. Linhas de fuga são as formas encontradas pelo alunos para não cumprir a regra de ficar quieto, sentado em seu lugar. Podem ser o contato físico com colegas na sala ou sair para ir ao banheiro, por exemplo.

Segundo ela, a escola oferece poucas oportunidades institucionalizadas de movimentação corporal. “Na educação infantil, por exemplo, não existia nem aula de educação física. No ensino fundamental já havia, mas o que ocorria era um processo de enrijecimento, de ordem, regras”, afirma. No trabalho a pesquisadora ainda destaca que os espaços utilizados para as aulas de educação física não eram os mais adequados. Muitas vezes os alunos ficavam na própria sala de aula. Em um trecho ela relata que a quadra estava com muita poeira e sujeira de pombos. Ainda assim, as crianças estavam lá e colocavam a mão no chão.

O sufocamento da criatividade não ocorre apenas na esfera física, corporal, mas também nas atividades racionais. “Desde a educação infantil começa a lógica de embrutecimento do corpo. Mesmo as atividades racionais aplicadas não são criativas. O que predomina é a ordem, a cópia”, diz Adriana.

Reflexões

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A principal preocupação que o estudo trás é perceber até que ponto as linhas de fuga continuarão construtivas. “Na pré-adolescência começam a surgir as linhas de fuga negativas, como a evasão escolar ou até o ato infracional, as drogas”, alerta a pedagoga.

Outras percepções são a ausência do estímulo a arte, criação e invenção na escola. Segundo a pesquisadora, perdia-se muito tempo nas aulas tentando acalmar as crianças, deixá-las quietas, tempo que poderia ser melhor aproveitado com outras atividades. “Já existem estudos que propõem outras formas de ensino na escola, mas que são pouco aplicadas”, diz. Para ela, isso é um reflexo da sociedade, que prima pela obediência e a racionalização dirigida.

Mais uma preocupação é saber como repensar os espaços fechados, a vivência emparedada na escola e na sociedade. “Isso é reflexo da sociedade também. Cria-se um encaixotamento do pensamento, uma mentalidade quadrada, cristalizada”, diz Adriana. Além disso, espaços fechados podem facilitar a propagação de doenças e prejudicar a saúde dos alunos. “Nas salas havia muitas crianças gripadas, resfriadas. As observações foram feitas na época do vírus H1N1, da ‘gripe suína’, portanto, a questão dos espaços fechados aglomerados de pessoas tornou-se uma preocupação, uma das questões a serem pensadas”.

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Ela fez dois anos de observações em sala de aula em uma escola pública do Estado de São Paulo. Em 2008, acompanhou uma turma de crianças na educação infantil e no ano seguinte estudou a mesma turma, que já estava no ensino fundamental. Adriana fazia as observações de dois a três dias por semana, ficando uma hora na sala de aula por dia.

Transição

A diferença de comportamento da turma da educação infantil para o ensino fundamental mudou de uma maneira inesperada: passou a ser mais frequente uma criança escapar da regra e não obedecer a professora. “Na educação infantil a turma já era bem disciplinada. Não havia parque para diversões ou brincadeiras. No ensino fundamental, as linhas de fuga eram mais aparentes. Isso se deve, provavelmente, pelas diferenças de postura entre as professoras. Uma conseguia fazer com que as crianças obedecessem mais que a outra”, afirma.

A tese de doutorado As relações de poder e o corpo na sala de aula: a transição da educação infantil para o Ensino Fundamental foi defendida em agosto na FFCLRP, sob orientação do professor Antonio dos Santos Andrade.

Imagem: Marcos Santos

Fonte: Agência USP de Notícias