Shiva e Parvati: antiga história de amor – Parte II

por Gilberto Coutinho


Shiva e Parvati: deidades hindus que representam a dualidade do universo, os aspectos masculino e feminino de Deus

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No texto anterior (clique aqui e leia), publiquei a primeira parte dessa história vinda da antiga Índia. A saga milenar de Shiva e Parvati traz uma profunda filosofia de positivismo, tranquilidade e bem-estar frente à vida.

Vamos agora à segunda e última parte.

Shiva decidiu se fixar nos picos do Himalaia e iniciar um novo ciclo de meditação. Tão logo Himalaya havia percebido que Shiva encontrava-se nas proximidades, o rei trouxe Parvati até ele. Parvati colocou uma oferenda de flores e frutas diante de Shiva e permaneceu silenciosamente. Himalaya falou com reverência: “Oh! Senhor Shiva, estou honrado pela sua visita. Ordenei que nenhum homem, animal ou pássaro o perturbe. Por favor, permita que a minha filha Parvati o sirva e cuide de todas as suas necessidades, enquanto estiver aqui.”.

Shiva abriu seus olhos o suficiente para olhar de modo penetrante para eles, e perguntou: “Por que está empurrando sua filha para mim? Sou um yogue. Não preciso da atenção de uma mulher.”. A dureza de suas palavras amedrontou Himalaya. Mas, Parvati reconheceu que Shiva era seu eterno esposo. Determinada e sem medo, lhe falou: “Shiva, somos uma única pessoa. Você e eu somos um. Somos incompletos um sem o outro. Oh! Senhor, eu lhe imploro, por favor, deixe-me servir-lhe.”. Shiva percebeu verdade nas palavras de Parvati, apesar de ele não dizer nada a ela. Virou-se para os seus auxiliares – os Shivaganas – e falou rispidamente: “Não a incomodem. Ela tem permissão para ir e vir”.

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Shiva permaneceu em profunda meditação e tornou-se indiferente a ela, mas a devoção de Parvati tocou os corações de todos os outros deuses. Indra – o rei dos deuses menores – estava preocupado com ela. E decidiu pedir ajuda aos seus amigos Kama e Rati. Quando Kama – o deus do amor e dos desejos humanos – e sua esposa, Rati, dançam, o ar torna-se pleno do sentimento de amor, como uma explosão da primavera. E quando Kama aponta sua flecha mágica de flores, seja quem for por ela acertado, torna-se preenchido pelo desejo do amor. Disse Indara a “Kama”: “Por favor, faça alguma coisa. Shiva precisa perceber Parvati. O amor dela não pode ser em vão.”. “Claro!”, concordou Kama: “Rati e eu faremos de tudo pela felicidade de Parvati.

Kama andando nas pontas dos pés se aproximou silenciosamente de Shiva, encontrando um lugar escondido de onde ele poderia arremessar certeiramente a sua flecha. A primavera despertou, pássaros cantavam, flores desabrochavam e suas fragrâncias eram levadas pela brisa. O amor estava por todos os lugares – até mesmo o mais cruel e árido dos corações não podia ignorar o arrebatador desejo provocado por Kama.

Shiva percebendo a mudança repentina no ar suspeitou que Kama estaria próximo. Mas antes que ele pudesse investigar, Parvati vestiu-se com frescas e coloridas guirlandas e apareceu diante dele. “Oh! Querida Parvati, você está mais linda do que nunca”, pensou Shiva. Então, ele olhando ao seu redor, avistou Kama escondido entre os arbustos, preparando-se para lançar uma flecha de flores em direção ao seu coração. Shiva ficou furioso pelo fato de sua concentração ter sido interrompida. Ele voltou sua face para Kama e com um simples olhar destruiu a flecha mágica. Então, o terceiro olho de Shiva, no meio de sua fronte, se abriu e um raio de fogo fulminante consumiu o desprecavido Kama, reduzindo-o num bocado de fumaça. Rati desconsolada caiu em prantos e correu desesperadamente em busca de ajuda. Os deuses ficaram aterrorizados por ver Kama ter este infortúnio final, mas não havia nada que eles pudessem fazer. Determinado a retornar a meditação, Shiva desapareceu do local.

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Om namah shivaya

Inconsolada, Parvati retornou a casa de seus pais. Eles pediram ajuda ao sábio Narada. “Eu tenho tentado de todas as maneiras”, disse Parvati. “O que mais posso fazer para conquistar o coração do meu amado Shiva?”. Narada, com uma voz calma, respondeu: “Você deve meditar no seu nome. Simplesmente repita Om Namah Shivaya e não perca as esperanças. Para você Parvati, nada é impossível!”.

Dá-se início a mais severa prova. Para se preparar, Parvati se desfez de suas jóias e ornamentos, substituindo-os por simples colares de contas e de suas peças de roupa de seda macia por tecidos de algodão. Ela partiu para onde o havia visto pela última vez, seu coração estava tomado pela saudade. Estava determinada a fazer qualquer coisa que pudesse trazê-lo de volta.

Parvati acatou todas as privações de um asceta. No calor do verão, sentava-se dentro de um círculo de fogo e repetia: “Om Namah Shivaya”. Na estação de chuva, entre raios e relâmpagos, ela continuava a repetir o nome de Shiva, até mesmo durante as piores tempestades. No inverno, ela permitia que a neve cobrisse seu corpo, enquanto mantinha sua mente pura e focada: “Om Namah Shivaya”. Ela repetia o nome de Shiva sem parar. Mas, mesmo assim, ele não veio.

Ela passou um ano apenas alimentando-se de frutas e no ano seguinte, apenas de folhas. Ela desistiu completamente dos alimentos e passou a viver de ar e água. Depois, somente de ar. Sua respiração mal podia ser ouvida e mesmo assim ela continuava a repetir: “Om Namah Shivaya”. Mas, Shiva não veio.

A profunda meditação de Parvati começou acalmar os animais ao seu redor. Os animais ferozes perderam a sua ferocidade, enquanto os animais mais indefesos, o medo. Tigres, leões, búfalos, macacos, coelhos, pássaros, dentre outros animais se aproximaram silenciosamente e se posicionaram ao redor de seus pés. As plantas e árvores passaram a produzir uma grande quantidade de frutos e folhas para todos os animais e pássaros, e a floresta tornou-se um oásis de amor e paz. “Om Namah Shivaya”, Parvati repetia. Mas, Shiva, ainda assim, não veio.

Incapazes de suportar o sofrimento de sua filha, Himalaya e Mena foram até Parvati. “Filha, isso não funciona. Por que você insiste? Shiva se quer percebe sua presença. Querida filha, volte para casa conosco!”, eles disseram. Mas, “Não”, disse Parvati. “Não vou desistir. Shiva virá!”. Ela, então, fechou seus olhos e continuou a meditação. Desconsolados, seus pais retornaram.

Parvati voltou a se concentrar e o som melódico de sua mentalização fez com que cada célula de seu corpo vibrasse intensamente. Breve, o som transformou-se em calor e Parvati começou a brilhar com uma lâmpada e depois, como uma bola de fogo que passou irradiar intensas ondas de calor. Tudo ao seu redor começou a se aquecer até que todas as plantas, animais e até mesmo o solo se ressecaram. E ainda sim Parvati repetia sem parar o nome de seu amado. Até os deuses começaram a sentir que o céu estava transformando-se num inferno. Até eles não suportariam o calor por mais tempo.

Então, Brahma, Vishnu e outros deuses menores viajaram para onde Shiva se encontrava. Permanecendo todos em silêncio, numa postura de humildade, eles esperaram Shiva terminar a sua meditação. Quando Shiva, finalmente, abriu seus olhos, perguntou: “O que os trouxe aqui?”. Os deuses uniram as palmas das mãos ao centro do peito e o saudaram. “A meditação de Parvati está queimando o universo inteiro, querido Senhor. Ela não vai desistir enquanto não reconhecer o amor dela por você e se casar com ela.”. “Eu compreendo”: disse Shiva. “Eu considerarei…”.

Shiva, então, decidiu testar Parvati pessoalmente. Trajado como um velho sacerdote brâmane, ele apareceu diante dela. “O que seu coração deseja minha querida jovem yoguina, ao ponto de recorrer a mais severa meditação?”, ele perguntou. “Meu coração pertence à Shiva”, replicou Parvati. “Minha respiração anseia por reencontrá-lo.”. O velho brâmane deu uma risadinha: “Shiva? Aquele homem mal-humorado, feio e sem lar? Ele não tem nada para oferecer a uma garota como você. Ele vive nas florestas e nos cemitérios. Seus atendentes – Shivaganas – são criaturas horrorosas. Você, certamente, teria uma vida de sofrimento com ele. Mude de ideia. Ainda há tempo de você se salvar.”. Os olhos de Parvati brilharam de indignação. “É um pecado terrível disser tais coisas! E um grande pecado, até mesmo, ouvi-las!”.

Percebendo que ele estava sendo rude, deu suas costas para o ancião. E foi colocar mais gravetos na fogueira para que pudesse terminar a sua meditação. Mas, o velho homem segurou seu braço e perguntou: “Por que se afastou de mim, minha querida? Por favor, se case comigo!”. Assustada, Parvati percebeu que o velho brâmane havia desaparecido. Então, seu coração saltou, pois em seu lugar estava o amor de sua vida, aquele pelo o qual havia resistido as mais difíceis provações. Shiva! Por fim, ele, finalmente, veio! “Sim”, ela respondeu cheia de felicidade. “Eu me casarei com você!”.

Para completar a sua felicidade, Parvati quis compartilhar a boa notícia com seus pais. Eles também haviam passado por apreensões, penúrias e tristezas por causa dela. Então, ela partiu ansiosa para contar-lhes. Enquanto isso, Shiva vestiu-se como um dançarino de rua e seguiu, separadamente, para o palácio de Himalaya, cantando, dançando e tocando o seu tambor. Mena recebeu o dançarino com hospitalidade e até mesmo trouxe-lhe presentes preciosos, mas ele queria somente uma coisa: pedir a mão de Parvati em casamento. “Estou receosa de que isso não seja possível.”, disse Mena. “Minha filha tem esperado, por toda a sua vida, por se casar com Shiva. Ela não vai querer se casar com um dançarino de rua como você. Por favor, vá embora.”. O dançarino rejeitou os presentes e continuou a dançar. “Estou aqui para pedir a mão de Parvati em casamento”, ele insistiu.

Himalaya, por extensão, irritou-se com a insistência do desconhecido dançarino e ordenou aos seus soldados para levá-lo para fora do palácio. “Pegue-o!”, disse. Mas, como Shiva brilhava como milhares de sois, ninguém podia tocá-lo. “Tirem o daqui!”, ordenou Himalaya. Mas, Shiva rodopiou e como a mais sólida e pesada das montanhas ninguém conseguia movê-lo.

Então, Himalaya, Mena, Parvati e todos os presentes entraram num estado de encantamento. Eles avistaram o Senhor Vishnu com sua concha, seu disco – chakra –, sua clava e a flor de lótus. Eles avistaram as quatro faces do sábio Senhor Brahma e também Shiva com seus três olhos, seu tridente e sua lua crescente. Então, eles presenciaram o universo inteiro brilhar ao redor do misterioso dançarino. Shiva – o Senhor de todos os deuses –, estava ali, no pátio, dançando feliz, enquanto pedia a Mena e ao Himalaya a mão de sua filha Parvati.

Os pais de Parvati ofereceram aos noivos uma maravilhosa cerimônia e festa de casamento e quando ela acabou, Shiva e Parvati partiram felizes para o monte Kailash. Os olhos de Mena e Himalaya brilhavam de tanta felicidade, pois, finalmente, sua querida filha tinha conquistado o coração de Shiva.

OM NAMA SHIVA
ADI SHAKTI ADI SHAKTI NAMO
NAMO SHIVA SHAKTI