Como avaliar seus sonhos

por Roberto Goldkorn

Uma das coisas que mais me intriga são os meus sonhos. Raramente consigo me lembrar deles, e quando o faço, são indecifráveis. Viro-os do avesso, e disseco suas imagens como um esmerado patologista, mas muito pouco consigo extrair deles. Há ironia em tudo isso? É que dediquei boa parte da minha vida a estudar os mecanismos dos sonhos e a interpretar os sonhos das pessoas.

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Cheguei até a ter um programa de TV onde fazia isso ao vivo. Às vezes penso que se existe algum “gerente do inconsciente”, o meu se diverte comigo ao mesmo tempo que se vinga por eu ser um danado de um fuxiqueiro que fica desvelando o que talvez ficasse melhor do jeito que está, camuflado por imagens bizarras e enigmáticas.

Comecei a me interessar pelos sonhos há cerca de vinte e tantos anos, quando percebi um mecanismo a que dei o nome de contágio. Estava dormindo e sonhei algo ligado à perseguição. No mesmo instante a minha mulher ao meu lado levantou-se na cama gritando pela mãe, e o meu filho que dormia no quarto ao lado, me chamou, pois estava tendo um sonho ruim, onde eu era perseguido. Minha mulher relatou que o seu sonho também envolvia uma perseguição (mas eu é que era o perseguido).

Com o passar do tempo fui desenvolvendo a teoria de que na verdade não existe o sonho, como entidade única e indissolúvel, mas sim, sonhos, fenômenos diversos, que só têm em comum o fato de se projetarem na mesma tela, e só ocorrerem em determinado estado de consciência.

Por isso sempre recomendo cautela com os manuais de interpretação de sonhos, onde há listas de “símbolos” e sua significação. Nem sempre sonhamos conotativamente, muitas vezes os sonhos são expressões literais, denotativas, e sem significados ocultos para serem interpretados. Uma menina sonhou que o dente havia caído. Sua mãe preocupada, pensou “sonhar com dente caído é morte de parente”. Passou o tempo, e nenhum parente morreu, em compensação, a menina acordou uma noite chorando com dor de dente. Estava com o abscesso e teve que ir ao pronto-socorro, onde o dente foi extraído. Muitas vezes, os sensores corporais do nosso inconsciente, captam problemas com a nossa máquina somática, e projetam esse problema na tela onírica.

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Porém, como o inconsciente não fala, não usa nenhuma das muitas línguas disponíveis no mercado, a tendência é alegorizar, travestir o fato em uma imagem mais ou menos fantasiosa. Freud explica esse mecanismo de metabolização teatral dos fenômenos oníricos, como um programa que usa o sonho para proteger o sono. Assim se você estiver dormindo e o escapamento de um carro der um “tiro” na rua, para não acordá-lo (uma vez que o seu ouvido capta esse som e o envia ao cérebro), o sonho imediatamente (quase que simultaneamente) transforma o “tiro” num ruído no meio de tantos numa guerra onde você se meteu não sabe como e nem por quê. Um tiro no meio de uma guerra, é bem contextualizado, e não há por que acordar.

Freud conta a experiência que ele fez comendo arenque defumado. Como sabemos é um peixe extremamente salgado, e ele comeu muito, a noite antes de dormir. Naturalmente seu corpo clamava por água, e ele sonhou que estava num deserto, arrastando-se sedento em busca de uma fonte. Quantos de nós já sonhamos que estávamos fazendo xixi na privada, e para desgosto profundo descobrimos que nem sequer saímos da cama (mas agora teríamos que sair de qualquer jeito). Na verdade, esse mecanismo de proteção do sono, na maioria das vezes é o que cria as maiores dificuldades na interpretação dos sonhos, e nem sempre protege de verdade o nosso sono.

Há pelo menos cinco espécies de sonhos diferentes, ou pelo menos de diferentes origens (na minha opinião).

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Os cinco tipos de sonhos

1º)Sonhos intrapsíquicos

A primeira delas podemos chamar de sonhos intrapsíquicos. Eles são a elaboração de dramas pesados demais para a nossa mente consciente lidar. Esses dramas, traumas, obsessões, muito antigos ou atuais são re-encenados de forma bastante alegórica. Muitas vezes o sonhador (ator principal) aparece disfarçado de uma outra pessoa, um irmão, o pai, ou alguma figura pública. Essas máscaras têm por objetivo nos proteger dos fortes conteúdos de culpa, remorso, pecado etc.

2º) Sonhos cármicos

Os sonhos podem ser recuperação de arquivos cármicos. Flashes, pedaços de cenas, cacos de peças vividas em outras vidas, mas que deixaram uma impressão profunda no nosso inconsciente, podem ser deflagradas por acontecimentos externos ou internos e revividas nos sonhos. Mortes violentas, acontecimentos traumáticos como guerras, naufrágios, desastres naturais, marcam um indivíduo por vidas afora. Esses arquivos de vez em quando são liberados para aliviar a carga emocional, numa espécie de catarse onírica. (só para quem acredita em reencarnação).

3º) Sonhos premonitórios

Há também os sonhos premonitórios. Por razões ainda não totalmente claras, o nosso inconsciente “viaja” até o Inconsciente Coletivo, onde o tempo é, e pesca algum acontecimento futuro, (geralmente carregado de emoção para o individuo). O difícil nesses casos é decifrar a linguagem do sonho, já que sonhamos em imagens, que é uma atividade do lado direito do cérebro, e temos de “entender e traduzir” os sonhos em palavras, que são uma prerrogativa do hemisfério cerebral esquerdo.

4º) Sonhos fisiológicos

Há também os sonhos que chamo de fisiológicos. Esses são reações a estímulos físicos externos ou internos. Frio, calor, dor, ruídos, sede, podem causar sonhos dos mais extravagantes. Uma amiga sonhou que estava sendo esmagada por um homem que tentava sufocá-la. Quando acordou descobriu que havia dormido de sutiã (o que ela nunca fazia) e como relaxou durante o sono, e estava meio gordinha, o sutiã não relaxou junto.

5º) Sonhos extrapsíquícos

Sonhos extrapsíquicos. Já está provado cientificamente (experiências da década de 80, feitas pelo Dr. Willian C. Dement, no Veterans Hospital em Mainonides NY), que os pensamentos de uma pessoa podem afetar os sonhos de outra. Uma vez tive uma noite péssima, sonhei que ia viajar e alguém ou uma série de eventos me impediam de ir. No dia seguinte uma cliente me confessou que em desespero foi até a minha casa pedir socorro, mas não teve coragem de me acordar durante a madrugada, e ficou embaixo da minha janela, rezando e pedindo que eu a ajudasse com o seu problema (ou seja, por mais que eu quisesse “voar” no sonho ela me agarrava e me segurava ali, para que eu a ajudasse).

Muitos trabalhos de magia, funcionam nesse nível, para o bem ou para o mal. É comum também que ex-namoradas sonhem com seus ex, mesmo que não gostem mais deles ou nem estejam mais interessadas. Também é comum que esses sonhos sejam de conteúdo erótico, o que causa mais desconforto ainda. Mas muitas vezes a o que deflagrou esse sonho, é o próprio (ou a própria) que está se masturbando e pensando nela (ou nele).

Há também outras categorias de sonhos, os espirituais, os sonhos de deslocamento ou O.B.E. (Out of the Body Experience – experiência fora do corpo), e tipos mais raros, que podemos falar em outra ocasião. Durmam bem!

 

Quiz: Será que você é sensitivo?