Privação do sono afeta memória de curto prazo

por Elisandra Vilella G. Sé

“Para que a memória de curto prazo seja convertida à memória de longo prazo que pode ser evocada semanas ou anos mais tarde, essa tem que ser consolidada”

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Apenas após a descoberta do movimento rápido dos olhos (REM – Rapid Eye Moviment) e do Sono não REM (NREM – Non Rapid Eye Moviment) é que se deu início as pesquisas sobre a hipótese de que o sono, ou mesmo suas fases específicas, participavam ativamente no processo do desenvolvimento da memória.

Cada estágio do sono possui um conjunto de mecanismos fisiológicos e neuroquímicos (ação de substâncias no neurônio – neurotransmissores) que podem contribuir exclusivamente para a consolidação da memória.

A privação do sono é responsável pela redução do estado de responsividade (se responsabilizar) do cérebro, que reflete na diminuição do desenvolvimento cognitivo e psicomotor, principalmente quando essas tarefas comportamentais são administradas durante períodos longos de vigília (período em que se está acordado).

À noite ocorre a queda ou diminuição na expressão comportamental de alguns ritmos, com especial ênfase ao da temperatura corporal, que apresenta valores mais baixos durante a noite e consequentemente queda do rendimento de algumas funções cognitivas, principalmente memória.

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Em um estudo, indivíduos normais dormiram durante três noites em laboratório, foram mantidos em vigília constante por 40 horas, o objetivo do estudo foi medir a velocidade, exatidão em testes visuais e desempenho oculomotor (movimentos dos olhos durante o sono profundo) após a privação de sono. Os indivíduos foram testados a cada duas horas. Concluíram que 40 horas em vigília constante causa prejuízo significativo do desempenho cognitivo nos teste visuais, principalmente um agravamento evidente na velocidade, mas não nos índices de exatidão, o que fica estritamente relacionado com o enfraquecimento do desempenho do movimento oculomotor, indicando claros efeitos das alterações dos ritmos *circadianos.

O sono tem sido identificado como um estado que aperfeiçoa a consolidação de novas informações em memórias, dependendo das condições da aprendizagem específicas e do tempo de sono.

Há evidências de que o sono reparador favorece a consolidação da memória. A retenção da memória depois de uma noite de sono é melhor do que após um tempo em vigília. As concepções sobre como o sistema nervoso seleciona, adquire, armazena e evoca informações comumente chamadas de memória, valem-se dos conhecimentos de processos bioquímicos, da neurofisiologia e regiões do hipocampo.

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A memória é fundamental para a individualidade humana, tanto na capacidade de mudar o comportamento, como adquirir ou recordar acontecimentos.

O cérebro tem a capacidade peculiar de aprender a ignorar informações. Os tipos de informação que causam consequências importantes, como dor ou prazer, o cérebro tem a capacidade automática de acentuar e armazenar os traços de memória. Áreas especiais do cérebro nas regiões límbicas basais determinam se a informação é ou não importante, e tomam a decisão subconsciente de armazená-la ou não, como traço de memória – informações registradas na memória. O armazenamento dessas informações é o processo que chamamos de memória.

A partir do tempo decorrido entre a aquisição da informação e a sua evocação, podemos então dividir a memória em dois tipos: a de curta e de longa duração, ou seja, algumas memórias duram apenas alguns segundos, e outras, horas, dias, meses ou anos. A memória de curto prazo inclui memórias que duram segundos ou minutos no máximo, a não ser que sejam convertidas a memórias de longo prazo uma vez armazenada, pode ser evocada por anos ou até por toda uma vida.

A memória se desenvolve ao longo da vida do individuo a partir das relações entre aspectos biológicos e sociais e pode ser dividida em estágios, que se classificam conforme o tempo de retenção ou armazenamento de uma informação: muito rápido (na ordem de milissegundos, denominada de memória sensorial), de curto e de longa duração. A memória de curto prazo é aquela que apresenta armazenamento temporário de poucas informações num intervalo pequeno de tempo, advindas da memória sensorial ou da memória de longo prazo.

A memória de curto prazo é exemplificada pela nossa capacidade memorizar de sete a dez algarismos de cada vez (ou sete a dez outros fatos discretos) por alguns segundos a alguns minutos de cada vez, mas durando apenas enquanto a pessoa continua a pensar nos números ou fatos. A memória de curto prazo, também usualmente conhecida com os sinônimos de memória operacional ou memória de trabalho, refere-se ao arquivamento temporário da informação para o desempenho de uma diversidade de tarefas cognitivas, como um sistema de capacidade limitada.

A memória evolui, depois de aprendermos alguma coisa nova, o cérebro desencadeia um conjunto complexo de pós-processamento de aprendizagem. O sono tem papel ativo para que haja consolidação da memória. Evidências mostram que o sono é um dos determinantes dessa mudança.

Uma outra pesquisa que teve o objetivo de avaliar o papel de atividade do sono na memória verbal (memória para palavras), comparou a capacidade de memorizar antes de dormir, após períodos de vigília e depois de dormir, após períodos de sono. O estudo concluiu que o desempenho de recordar, considerando a memória verbal, foi maior depois do sono do que depois de períodos de vigília.

Para que a memória de curto prazo seja convertida à memória de longo prazo que pode ser evocada semanas ou anos mais tarde, essa tem que ser consolidada. Ou seja, a memória deve de algum modo, iniciar as alterações químicas, físicas e anatômicas nas sinapses (comunicação entre os neurônios) que são responsáveis pelo tipo de memória a longo prazo, esse processo requer 5 a 10 minutos para a consolidação mínima e uma hora para a consolidação forte. O processo de consolidação ocorre quando as lembranças são codificadas em diferentes classes de informação, as novas não são armazenadas aleatoriamente no cérebro, e sim armazenadas em associação direta com outras do mesmo tipo, e também tem a capacidade de procurar e encontrar a memória num tempo mais tarde. O termo consolidação da memória classicamente se refere a um processo pelo qual uma memória, através de uma simples passagem do tempo, torna-se cada vez mais resistente a interferências de concorrentes ou fatores de perturbação.

Acredita-se que há uma construção da atenção a partir da memória. A atenção corresponde a um conjunto de processos que leva à seleção ou priorização no processamento de certas informações. A diminuição do nível de atenção normalmente ocorre em indivíduos com cansaço físico ou mental que apresentam privação de sono ou alteração no ciclo vigília-sono.

A perda cumulativa de sono pode levar a diminuição do estado de alerta, desempenho e humor, a mudança repentina do horário de trabalho interfere no sono do indivíduo provocando alterações no ritmo circadiano.

Os prejuízos causados pelo trabalho noturno são decorrentes de uma desordem temporal do organismo. Assim, pode-se dizer que as formas de organização temporal do trabalho que não levam em conta a variabilidade rítmica circadiana nos indivíduos, nos vários momentos do dia, resultarão em problemas em relação ao desempenho de suas tarefas.

* Esse ciclo é chamado de circadiano por ser — do latim — cerca de um dia.