Psicólogos desvendam as torcidas virtuais

Guilherme T. Ohl de Souza e Erick Itakura – Psicólogos componentes da equipe do NPPI – Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática (PUC/SP)

A nossa intenção ao abordar este tema das torcidas virtuais – clique aqui e leia artigo anterior – não é denunciar esta ou aquela comunidade ou torcida organizada. Tendo em vista que a agressividade parece ser um comportamento padrão entre as torcidas, faz mais sentido tentar compreender este fenômeno em sua dimensão mais abrangente, e contribuir para uma reflexão mais aprofundada, na busca por soluções, ou ao menos, por formas de contenção das conseqüências negativas deste fenômeno social.

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Comunidades de torcidas virtuais em geral são mediadas por torcedores ‘comuns’ sem vínculos com torcidas organizadas

Embora haja comunidades virtuais que exigem dos seus membros comportamentos adequados – não expressando qualquer tipo de mensagens agressivas ou provocativas às torcidas e times adversários – este tipo de comunidade é geralmente mediada por torcedores ‘comuns’, ou seja, sem vínculos com torcidas organizadas.

Assim, nas comunidades online das próprias torcidas há espaço para o achincalhamento e para a provocação. Mais do que vangloriar o desempenho ou a vitória do próprio time, ou ainda a participação da torcida no apoio e estímulo ao time, nestas comunidades a celebração é liderada por quem ‘apavora’ mais, ou seja, quem bate e impõe mais medo às outras torcidas.

Podemos perceber que existe uma espécie de ganho social (na forma de maior prestígio) dos participantes que ‘dão mais porrada’. Esses indivíduos se preocupam com o comentário geral do grupo, e com o valor que sua imagem adquire ao fazer esse tipo de comentário agressivo.

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Como bem sabemos, a Internet de forma geral passa às pessoas uma falsa sensação de proteção: Muitos indivíduos acreditam que por estarem sentados confortavelmente em seus lares, ou protegidos nos espaços das Lans Houses, não serão identificados e nem denunciados caso façam algum tipo de ato que vá contra a moral ou as leis vigentes.

Por outro lado, se somarmos a esse fator aquele outro fenômeno atual da ‘sensação de impunidade’ que parece reinar em nosso meio mais amplo, teremos um ambiente perfeito para que os participantes de tais torcidas possam soltar todas as suas fantasias e instintos agressivos. Como conseqüência, algumas dessas fantasias acabam se realizando, e a violência latente vira pancadaria entre as torcidas.

Conforme podemos perceber, há um conjunto de fatores que, uma vez somados criam as condições que levam estas comunidades virtuais a se tornarem um meio facilitador da expressão da violência. E na medida em que essas comunidades se transformaram em um poderoso canal de comunicação entre os torcedores – ao permitirem a difusão ampla e rápida das mensagens – se caracterizam agora como veículos de comunicação de massa. Esse é mais um aspecto que vem se somar aos que já foram citados anteriormente, pois acaba por se constituir como um poderoso potencializador da violência, considerando que o comportamento agressivo acaba se retroalimentando com esta difusão mais ampla e mais veloz da sua manifestação. Ou seja, as mensagens agressivas são recebidas cada vez mais rapidamente por um número maior de pessoas, as quais reagirão também mais rapidamente, pois também são ‘ouvidas’ por cada vez mais pessoas.

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É importante registrar ainda que nessas comunidades virtuais o espaço não é ocupado apenas pelos conteúdos agressivos. Em princípio ao menos, as comunicações dos torcedores tratam também sobre seus outros interesses, tais como a confecção de camisas, bandeiras, faixas, a realizações de eventos, etc.

Por fim, gostaríamos de fazer uma reflexão sobre uma contribuição que a psicologia pode trazer para este problema da violência. Como dissemos anteriormente, o indivíduo imerso em uma multidão tende a reduzir sua capacidade crítica e tornando-se mais sugestionável e propenso a seguir o comportamento da multidão. Esta dinâmica permite uma maior abertura (ou menor censura) à expressão dos impulsos inconscientes. Uma vez que a situação de encontro das torcidas se configura como uma situação tensa e de rivalidade, estes impulsos são de ordem destrutiva e acabam por deflagrar a violência entre elas.

É necessário então levar à consciência de cada um dos integrantes das torcidas a compreensão sobre este processo psicológico que ocorre nas multidões. Fazê-los tomar conhecimento deste tipo de processo, de seus impulsos e de seu comportamento para poder desenvolver a capacidade de autocontrole.

Nota-se que a contribuição da psicologia é apenas um elemento dentro de um trabalho mais amplo no combate à violência no futebol. Trabalho este também composto por educadores e assistentes sociais no campo da educação e conscientização. Enquanto esse processo educativo acontece ainda permanece a necessidade da ação repressiva, policial e jurídica, lembrando que um dos fatores que fomentam a violência são as sensações de anonimato e impunidade.

Não estamos aqui subestimando a complexidade e as dificuldades inerentes à questão. Existem outros fatores que dificultam a solução para o problema como, por exemplo: as condições opressivas em termos sócio-econômicos e educacionais, as carências nos sistemas policial e jurídico, as relações viciadas entre torcidas organizadas e dirigentes de clubes e o histórico de rivalidade e violência entre estas torcidas.

No entanto, se existem muitos obstáculos para uma solução definitiva, é possível obter-se avanços neste tema, mesmo porque não se pode esperar que isto (assim como qualquer outro problema social) se resolva por passes de mágica. Mas é necessário que se trabalhe em torno da questão, contando com o envolvimento da sociedade e do Estado e não esperando que isto se resolva por si só.