Como ser um atleta vencedor e como vencer na vida a partir do esporte

por Angelo Medina

Renato Miranda: "Esporte favorece a vivência de diversas experiências individuais e coletivas que auxiliam a formação de uma ótima personalidade" O dr. em Psicologia do Esporte Renato Miranda acaba de lançar o livro Construindo um Atleta Vencedor (Editora Artmed) em parceria com Maurício Bara também com doutorado na disciplina. Nesta entrevista ao Vya Estelar, ele explica como o esporte pode ajudar uma pessoa a se tornar vencedora na vida. Ele fala sobre motivação, concentração, preparação psicofísica e flow-feeling – o estado mental de fluir na vida e no esporte.

Continua após publicidade

Renato dá conselhos para os atletas brasileiros que irão disputar os Jogos Olímpicos de Pequim, fala sobre a condução de vida e carreira tanto para atletas amadores como veteranos, sobre o preparo físico e mental do atleta brasileiro e dopping.

Vya Estelar – Por que escrever um livro com essa abordagem sobre a elaboração de um atleta vencedor?

Renato Miranda – Nossa idéia original foi a de promover um conhecimento em esportes que ultrapassa os âmbitos tradicionais do treinamento esportivo, embora não os neguemos. É levar ao leitor conceitos e vivências relacionados com o bem-estar do ser humano sem desprezar o desempenho atlético. atleta vencedor para nós, é aquele que se envolve com os valores humanos positivos durante sua formação profissional.

Vya Estelar – De que forma o esporte (e atividade física) podem ajudar uma pessoa a se tornar vencedora na vida?

Continua após publicidade

Renato Miranda – Vencer na vida para nós é investir no difícil treinamento da vida interior do ser humano, a fim de harmonizar emoções e conseqüentemente harmonizar sua vida perante os outros e contribuir, através de suas ações, para um mundo melhor. Nesse sentido, o esporte e a atividade física funcionam como um excelente instrumento dinamizador dessas possibilidades reais.

Vya Estelar – Neste objetivo há diferença – (mais ou menos eficiência – em relação a esportes individuais e coletivos?

Renato Miranda – Na verdade a raiz esportiva é a mesma, tanto para esporte individual como coletivo. Ou seja, o esporte existe para nos auxiliar na construção de uma personalidade socialmente desejável e providenciar divertimento para uma vida melhor. O esporte pode auxiliar a nos tornarmos nobres.

Continua após publicidade

Vya Estelar – De que forma o esporte nos transforma em pessoas emocionalmente ou psicologicamente melhores?

Renato Miranda – O esporte favorece a vivência de diversas experiências (individuais e coletivas) que auxiliam a formação de uma ótima personalidade. Ou seja, treinamentos, competições, viagens, eventos locais, nacionais, internacionais… enfim, tudo isso auxilia o amadurecimento emocional através de tensões, alegrias, tristezas, sucesso, frustrações e outras experiências vivenciadas que exigem participação, envolvimento, tomada de decisões, companheirismo, enfrentamento de desafios e muitas outras oportunidades de manifestação pessoal que é pertinente ao ser humano.

Esporte é metáfora da vida

O esporte auxilia as pessoas a se tornarem nobres porque funciona como uma metáfora da própria vida e, portanto, desde cedo uma pessoa aprende que os valores pessoais positivos como honestidade, reconhecimento e solidariedade entre outros, são aquilo que realmente marcam nossa existência. Decerto, há sempre alguém a afirmar que isso tudo é bobagem, pois no esporte profissional vemos atitudes totalmente discrepantes a tudo isso e, no entanto, são atitudes que não evitam o sucesso e a glória. Em minha opinião tal fato não é regra é exceção, ademais como eu disse, o esporte favorece a construção desses valores (nobreza), mas não possui certificado de garantia.

O primeiro passo para que o esporte nos traga esse benefício está na iniciação esportiva e durante a especialização – fase que coincide com a pré-adolescência e a adolescência propriamente dita. Se nesse momento o esporte for liderado por uma pessoa de alta qualidade pessoal e profissional, é bem possível que o esporte sirva como instrumento de formação de personalidades de alto nível. Não é à toa que em nosso livro há um capítulo que se dedica ao esporte infanto-juvenil.

Vya Estelar – Na correria dos dias hoje como uma pessoa deve fazer para motivar-se a iniciar uma atividade física e depois mantê-la?

Renato Miranda – Costumo dizer o seguinte em meus escritos sobre esse assunto: Tudo que nós consideramos importante em nossa vida, nós valorizamos e conseguinte nos interessamos (providencia a motivação!). Muito bem, quando aceitamos que nossa saúde psicofísica é o que de mais valioso possuímos e é na atividade física e esportiva que encontramos uma de suas bases, logo nada mais interessante do que um bom programa de atividades esportivas /ou físicas. Ou seja, o comportamento esportivo gera motivação porque vai ao encontro de nossos interesses pessoais de bem-estar.

Vya Estelar – O que é a experiência do fluir (flow-feeling), o que ela possibilita e o que é necessário para vivenciá-la?

Renato Miranda – Vou tentar sintetizar a resposta a essa pergunta, que no livro foi feita em um capítulo, pois, é um tema muito intrigante, altamente sofisticado e novo nos estudos sobre esporte e comportamento humano. O flow-feeling é um estado mental em que as pessoas parecem fluir, quando mostram um esforço produtivo e motivado. No estado de flow (fluir) a pessoa realiza tarefas com alto grau de desempenho, associado às várias emoções relacionadas a comportamentos positivos funcionais. O fluir possibilita realizações e o desenvolvimento pessoal, tanto no esporte como na vida de modo geral. Além disso, cria autoconfiança e harmonia, gera satisfação, motivação, libera energia psíquica e entre outras possibilidades a vida se torna mais dinâmica, mais envolvente e significativa. Para a pessoa fluir basicamente é preciso: relacionar a estrutura da atividade à habilidade do atleta (pessoa!), oferecer percepção de descoberta, impulsionar o atleta para padrões mais elevados de desempenho e ampliar aptidões para um nível de consciência jamais imaginado pelo atleta.

Vya Estelar – É possível atingir a vitória em competições sem a experiência do fluir?

Renato Miranda – Essa é uma pergunta que alguns pesquisadores americanos e australianos vêm tentando responder nos últimos anos. Embora as pesquisas ainda não sejam conclusivas, têm-se detectado que há uma grande possibilidade dessa hipótese ser confirmada. Portanto, possivelmente quando atletas conquistam sucessos concretos o flow-feeling está presente.

Vya Estelar – Até que ponto a concentração influencia no desempenho de uma atleta numa competição? Tem como melhorá-la?

Renato Miranda – Em nosso capítulo sobre concentração no esporte há o seguinte destaque sobre a importância da concentração e o desempenho atlético: o investimento na melhoria da capacidade de concentração é pré-requisito para se obter sucesso em um nível de exigência qualquer e, principalmente, no alto rendimento esportivo. Assim, podemos concluir que tudo aquilo que queremos fazer com alta qualidade só é possível se disponibilizarmos nossa concentração.

Técnicas para melhorar a concentração

Ela é (a concentração) nossa melhor energia para melhorarmos nossa qualidade de execução de tarefas. Sendo assim, propomos que é possível melhorar a concentração desde que, de princípio, atentemos para os seguintes fatores:

– Ter um bom nível de autoconhecimento;

– Reconhecer estratégias e táticas variadas de atuação;

– Controlar interferências do meio ambiente;

– Memorizar um amplo repertório de tomadas de decisão e detectar detalhes que precisam ser focalizados com o máximo de atenção

Vya Estelar – O que você aconselha aos atletas brasileiros para lidar com o estresse e a ansiedade nos Jogos Olímpicos em Pequim?

Primeiro: Lembrar que o esporte existe para divertir as pessoas, portanto, o atleta de alto nível precisa entender que mesmo sendo profissional, o produto de seu esforço é o divertimento, logo, disputar as competições com alegria, entusiasmo, satisfação e motivado. Aceitar que a tensão faz parte do ”jogo”, aliás, se você retira a tensão da disputa ela fica sem graça. Em outras palavras, nos Jogos Olímpicos quanto mais presente o elemento competitivo, mais apaixonante será a disputa;

Segundo: Fazer durante o descanso, exercícios de mentalização e relaxamento;

Terceiro: Acreditar em seus treinamentos e técnico (gera autoconfiança e com isso inocula os efeitos negativos do estresse e a ansiedade);

Quarto: Mobilizar todos seus esforços (físicos, mentais e emocionais) até o fim da competição.

Vya Estelar – Como você avalia hoje o preparo psicológico do atleta brasileiro frente à condução de sua carreira, treinos e competições? Existe algum elemento que precisa ser mais aprimorado?

Renato Miranda – Contrário ao que muitos pensam o atleta brasileiro não deve nada aos outros em termos de pré-requisitos psicológicos. O problema é que nossos atletas não treinam a parte psicológica, é como se fosse uma questão de menos valor em relação à parte física, técnica e tática. Na verdade, todos esses conteúdos, por si só, contêm aspectos psicológicos fundamentais para seu desenvolvimento. Em resumo, falta aos nossos atletas treinamento psicológico de qualidade, permanente e coerente com a atuação do atleta, ou seja, treinos que realmente tenham conseqüências positivas na melhoria do desempenho esportivo.

Vya Estelar – Para os atletas profissionais em – ascensão e veteranos – qual conselho você daria para cada um deles em relação à condução de vida/carreira?

Renato Miranda – Para esses atletas dou o seguinte conselho: a liberdade de escolha que eles tiveram em ter uma vida de atleta, naturalmente impõe limites em suas vidas. Aceitar esses limites é saber viver melhor suas carreiras. Naturalmente um atleta de alto desempenho deverá ter uma vida social limitada e disciplinada. Toda profissão para se ter sucesso exige sacrifícios, aceitá-los conscientemente e feliz é dar passos para vitórias. E sempre é bom lembrar, a carreira esportiva é curta!

Vya Estelar – Quer dizer então que tanto iniciantes como veteranos devem conduzir vida/carreira do mesmo modo?

Renato Miranda – Sem dúvida. É claro que um veterano (profissional) tem maior responsabilidade porque ele acaba sendo um modelo para os mais jovens, mas desde a tenra idade valores como disciplina, liberdade e limite devem ser estimulados. Afinal de contas, com perdão da metáfora, é na raiz de uma árvore que a qualidade de um fruto é definida, embora a raiz esteja no subsolo. Isso talvez explique as atitudes (boas ou ruins) de muitos atletas adultos. Muitas vezes a explicação está lá na raiz (iniciação) A diferença básica do esporte infantil para o profissional está em sua dimensão, mas as emoções e valores pessoais envolvidos estão presentes em ambas as situações.

Vya Estelar – Sabemos que o dopping é uma praga. De que forma o atleta pode se motivar para não recorrer a essa prática ou não ser influenciado em utilizá-la?

Renato Miranda – Conscientizá-lo de que não basta vencer, é preciso que seja de maneira correta, sem ferir regras esportivas. É fazer o que tem de ser feito da forma tecnicamente perfeita e de maneira limpa. Atletas que sabem encarar os adversários considerando seus próprios limites e reconhecer a realidade tendem a construir uma ética relacionada ao espírito universal do esporte. Ou seja, acreditam que só se atinge o sucesso pretendido por meio das vias legítimas e isso é exatamente o que se convencionou chamar de fair-play. (jogo limpo, em inglês).

Por fim, uma coisa é certa: o doping no esporte de alto nível cria nos torcedores e adversários a realidade do engano e para o atleta dopado a fantasia de um sucesso que na verdade é uma grande mentira. Uma mentira sem graça!