Entenda a importância da imobilidade no yoga

por Nicole Witek

O yoga é uma tradição milenar, um corpo de ensinamento elaborado e completo, onde não se pode mudar nada, a não ser a abordagem, para que seja mais compreensível para época, lugar ou cultura onde é praticado. Acho importante rever os princípios básicos do yoga, existem tantos desvios, tantas alterações no que se pratica hoje, que vou apontar de novo seus preceitos básicos.

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A primeira característica das posturas, (chamadas de asanas) é o alongamento dos músculos depois de terem sido relaxados. Para que esse alongamento seja feito nos limites de segurança, devemos ficar relaxados, executar movimentos lentos e buscar a passividade completa, mas com atenção, interiorização sobre a zona de estiramento.

No texto anterior (clique aqui), falei da importância da permanência na imobilidade para ultrapassar os limites corriqueiros de alongamento dos músculos, mas a imobilidade prolongada nas posturas é uma condição essencial para que o asana revele seus efeitos específicos. Vou começar pelo aspecto físico.

Movimentos no yoga e vísceras

O aluno, principiante ou avançado, terão de buscar a imobilidade total e rigorosa.

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A princípio cada postura mexe com a coluna vertebral: torção, flexão, extensão, lateralização, desencadeando efeitos profundos na medula espinhal que circula dentro da coluna vertebral e sobre as correntes nervosas que estão ao longo da coluna. Cada flexão atua poderosamente sobre a medula, sobre as raízes nervosas que saem da coluna pelos orifícios de conjugação das vértebras e sobre a corrente de gânglios do sistema simpático.

Porém, a natureza nos equipou de um sistema de segurança para que cada movimento não desencadeie IMEDIATAMENTE efeitos sobre as vísceras. O que seria de nós se cada movimento provocasse um efeito sobre o fígado ou o intestino? Os movimentos corriqueiros não têm efeitos sobre as vísceras, porque essas mesmas vísceras têm reações demoradas.

Se nós imobilizamos o corpo numa determinada posição que atua sobre a raiz nervosa e que é ligada a um órgão definido, depois de algum tempo – geralmente alguns segundos – uma reação acontece no órgão. Quanto mais longa a permanência, mais efeitos sobre o órgão solicitado. Lembre que o yoga coloca o corpo em situações “não usuais” e não em situação “antifisiológica”. Raramente existe uma contraindicação, os efeitos são sempre benéficos. A imobilidade é a única condição para atuar profundamente nas vísceras. Sem imobilidade não existe esta ação. Quer você seja principiante ou avançado, vale a mesma regra.

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Uma torção, por exemplo, não terá os mesmos efeitos se a imobilidade for curta (terminar logo, entrar na postura e sair sem ficar na imobilidade pelo menos entre 6 e 10 respirações, quanto mais, melhor) ou dinâmica (sequências rápidas, como se estivesse fazendo exercícios, abdominais por exemplo), ou prolongada (permanecer na postura enquanto respira e enquanto o corpo se “adequa, se ajeita”, se alonga).

Modificação das circulações

A imobilidade prolongada numa posição determinada vai modificar profundamente a circulação sanguínea. O exemplo mais evidente é a postura sobre a cabeça. Nesta postura, por gravidade, o sangue vai irrigar melhor o cérebro durante alguns minutos, usando sistematicamente a força da gravidade.

Isso faz parte do yoga. Olhando a postura sobre a cabeça, parece evidente esse resultado, mas as posturas gerais do yoga foram elaboradas levando em conta e usando a força da gravidade. Cada asana condiciona a circulação sanguínea, a permanência na imobilidade permitirá usar da melhor forma esse recurso.
O sangue tem tendência a se acumular para as partes baixas do corpo – pergunte para quem fica em pé o dia todo.

Cada posição do corpo, cada asana, re-aloca a massa sanguínea para uma determinada parte do corpo. Essa postura do diamante “vajrasana”, banha os órgãos digestivos de sangue renovado pela oxigenação da respiração lenta e tranquila, e massageia esses órgãos pela ação do diafragma. Uma permanência prolongada irá amplificar os efeitos benéficos.

Um outro sistema circulatório que se beneficiará dessa imobilidade prolongada será o sistema linfático, responsável pela nossa resistência imunológica. Os numerosos nódulos do sistema linfático são cheios de células defensoras de nossa saúde.

Quando há uma infecção, esses nódulos incham e dentro do nódulo ou do gânglio ocorre uma luta química contra os invasores.

A circulação linfática é muito mais lenta que a sanguínea, porém, o sistema é comparável ao *sistema de retorno venoso e depende de 3 fatores:

– Linfa – A diferença de pressão: a rede pode ser comparada às águas da chuva. As gotas descem e vão formando os riozinhos, que formam os rios e correm para as partes mais baixas.

– Linfa – Da zona de pressão maior até zona de pressão menor: a linfa é coletada na região do pescoço, onde existem canais coletores maiores. Só por gravidade podemos influenciar no conteúdo destes coletores.

– Líquido cefalorraquidiano: o liquido cefalorraquidiano que banha o cérebro pode ser comparado a linfa, mesmo que ele tenha um ritmo mais lento, será beneficiado pelo mesmos princípios de funcionamento do asana.

Contrações musculares

As contrações musculares contraem as veias e impulsionam o sangue em direção ao coração e as válvulas impedem o refluxo do líquido para baixo. As contrações musculares também, ajudam na coleta da linfa pela rede. Quando essas circulações são lentas, as células são carregadas de toxinas, perdendo sua vitalidade: é imprescindível livrar o corpo dos “lixos” tóxicos.

Infelizmente uma vida sedentária não propicia a circulação dos líquidos do corpo, ao contrário: existe estagnação mortal.

Respiração

A cada inspiração forma uma depressão no tórax, que é criada pela sucção sobre a totalidade da rede linfática e venosa. A respiração yogica, completa, lenta e profunda é o ator principal dessas circulações.

Durante a postura, o corpo se adapta e, gradativamente, a respiração fica mais ampla e mais confortável: o centro de gravidade da respiração só desloca durante IMOBILIDADE rigorosa.

Ativador especial e específico ao yoga: a força da gravidade

O que ativará todas essas funções durante o asana será a força da gravidade. A aceleração das circulações é uma garantia de um bom abastecimento de cada célula. A saúde de cada célula se reflete sobre a saúde geral.

Mesmo quando a postura parece simples, como a vajrasana (do diamante, acima), os efeitos são profundos, desde que tenha permanência na imobilidade. Mesmo que o adepto não sinta nada, a não ser uma sensação de calor em certas partes do corpo, ou certa pressão, coisas profundas acontecem em cada órgão.

Imobilidade prolongada

O tempo de duração da imobilidade determina o grau de intensidade de uma postura. Mesmo que o praticante seja flexível, ele se depara com as mesmas preocupações e colhe os mesmos benefícios.

Existem, a grosso modo, quatro graus de intensidade, determinados a partir tempo de permanência:

Grau inferior: imobilidade de um a dois minutos. Menos tempo que isso não se trata de asana, mas de ginástica ou movimento cotidiano. É a permanência média em uma postura que o ocidental costuma ficar.

Grau médio: de dois a cinco minutos. Aumentando a permanência, um pouco a cada semana, o praticante verá seus limites expandidos. Parece-me importante apontar que passando do segundo minuto, o corpo encontra seu jeito de respirar e mais conforto. O que fica impaciente realmente não é o corpo, é a mente. A imobilidade rigorosa é uma benção para o corpo e um desafio para a mente. Seria bom praticar a cada dia, uma ou duas posturas, com duração maior.

Grau superior: de cinco até 15 minutos. Aos poucos o adepto prolonga a duração. É geralmente o máximo que um aluno ocidental pode aguentar, sem a assistência séria e direta de um “guru” ou professor qualificado.

Grau máximo: trabalhando à vontade…. Até três horas! Além de 15 a 20 min de permanência, a vontade está testada. Seria interessante saber quais são os efeitos profundos dessa permanência. Ela é citada nos tratados clássicos, mas isso quase nunca acontece.

A imobilidade prolongada é um fator essencial e rigoroso do sucesso do asana. O adepto deve se sentir como “uma estátua que respira”. É sob essa condição que o asana desvendará sua mágica.

Por que a imobilidade é tão importante?

Na imobilidade é que você poderá perceber o seu corpo, onde está necessitando se alongar, etc. Na sequência rápida por exemplo, não dá tempo de o corpo receber a mensagem do cérebro de que o músculo precisa se alongar. A tendência do músculo é contrair para aguentar impacto e força, quando há a permanência na imobilidade, o corpo percebe quais locais estão precisando de alongamento, de 'ajustes' e deixa que o músculo se alongue, pois já 'percebeu' que não vai sofrer impacto naquela área, percebe que o comando é para alongar.

É o tempo que a mente precisa para receber as informações, as percepções e enviar os comandos para que o corpo obedeça o que a postura está pedindo.

Como você viu, quer seja um adepto avançado ou um principiante… Não faz diferença. Você pode começar hoje que seus órgãos e seu sistema imunológico já agradecem!

*Sistema de retorno venoso: Na grande circulação sanguínea, o sangue rico em oxigênio é bombeado do ventrículo esquerdo do coração, onde segue para todo o organismo e “ retorna pelo sistema venoso” até as veias cava superior e inferior, chegando ao átrio direito do coração com o sangue pobre em oxigênio.

Bibliografia: no. 107 Revista YOGA – André Van Lysebeth