Imobilidade não é negação da ação, nem do dinamismo

por Nicole Witek

No artigo anterior (veja aqui), falamos sobre a ação dos músculos, em resposta ao leitor sobre o porquê da imobilidade nas posturas e a conduta contraditória de certas escolas de yoga que praticam sequências de movimentos rápidos.

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Vamos dar sequência ao assunto:

Articulações livres de travas – que segundo os yogis permitem o livre fluxo da energia vital, o prana – dependem do comprimento dos músculos que precisam ser "destensionados" para conseguir alongar para voltar ao comprimento natural.

Manter o corpo imóvel numa postura de yoga (asana) desencadeia efeitos profundos não só para os músculos, mas também para os órgãos internos.

Na mecânica complexa de nosso corpo existem dois grandes tipos de ações controladas pelo sistema nervoso:

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– Movimentar o esqueleto e atuar de maneira consciente;

– Fazer com que os órgãos da vida vegetativa possam funcionar corretamente e adequadamente para a nossa saúde.

Assim o sistema nervoso pode ser dividido em dois ramos:

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– sistema nervoso da vida de relação;

– sistema nervoso da vida vegetativa.

Os dois interagem um sobre o outro.

Para movimentar o corpo é simples! Basta dar uma ordem e uma corrente ativa o músculo que responde por meio de uma placa motora (1).

Para os órgãos internos o sistema é diferente. Não existe placa motora. Ainda bem que os nervos da vida vegetativa não estão em contato direto com um órgão e que as reações demoram a acontecer! Já pensou: bastaria reclinar o tronco à direita para que os nervos que vão aos intestinos fossem solicitados e assim ocorresse uma diarreia! Se o sistema fosse o mesmo para os órgãos internos como para os músculos seria um caos, onde todos os órgãos reagiriam em um segundo.

As reações demoram a acontecer porque necessitam que o intermediário químico (adrenalina ou acetilcolina) transmita o comando a partir da extremidade do nervo, que dependendo do caso, pode ser um acelerador ou um inibidor. A Inteligência Cósmica permitiu um tempo de alguns segundos antes que a estimulação do nervo provoque uma reação no órgão em questão.

Se desejamos atuar sobre os órgãos internos, cujos comandos passam pela coluna vertebral (como todos os nervos do corpo), precisaremos esperar um bom tempo para que a solicitação do nervo possa ser contínua e demorada o suficiente para ser efetiva.

Quanto mais tempo permanecemos na postura, mais produção química teremos, mais forte e duradoura será a resposta do órgão ou dos órgãos que queremos ativar. Cada postura terá como meta a atuação sobre um nervo específico que por sua vez atuará sobre um órgão. A imobilização será necessária para que isso aconteça.

Seja para atuar sobre os músculos do esqueleto, como para estimular o funcionamento dos órgãos internos, a imobilidade será a condição para o equilíbrio físico. Todos, praticando, poderemos sentir os efeitos positivos.

A imobilidade não é a negação da ação, nem do dinamismo. A imobilidade para os yogis é uma situação genial que permite acionar recursos profundos, veja como:

Já falamos da imobilidade do corpo para com os músculos e os órgãos internos. Podemos também acrescentar os benefícios da ação da gravidade sobre a circulação sanguínea.

Em média são 5 litros de sangue que percorrem o corpo todo em 1 minuto e 3 litros de linfa que percorrem o corpo em 24 horas ou 1440 minutos. No mínimo 1 ou 2 minutos de permanência numa postura de yoga serão necessários para atuar sobre a linfa.

Outro líquido do corpo é o cefalorraquidiano, 1 até 2 litros no máximo, renovado entre a cada 6 ou até 8 horas.

Usando os efeitos da gravidade numa postura invertida, por exemplo, ativamos intensivamente a circulação dos líquidos. Os benefícios são proporcionais à duração da postura.

Eu lembro ao leitor que, em caso de pouco tempo para a prática, é mais importante selecionar um pequeno número de posturas para que haja tempo para permanecer na imobilidade necessária para receber todos os benefícios.

O yoga fala da importância de "parar o sopro" praticando além do controle do corpo na imobilidade, também o controle do prana, a energia vital.

A respiração é geralmente gerada pela inteligência do corpo. Assim podemos dormir sem pensar em respirar. Ainda bem.

Porém podemos controlar a nossa respiração se quisermos e parar de respirar por um tempo (limitado).

Todos os comandos vitais se localizam na região da nuca. Uma pancada, um choque nessa região e a pessoa pode desmaiar… e/ou morrer. Nessa região muito sensível da nuca se alojam os dois centros respiratórios:

– Um centro que controla a taxa de oxigênio do sangue;

– Um outro que controla a taxa do gás carbônico.

Falta oxigênio no sangue ou a taxa de gás carbônico é muito elevada?

Tudo bem, esse centro mandará um comando para respirar mais profundamente ou mais rapidamente para assim obter o nível de oxigênio necessário.

E se tiver mais oxigênio do que o necessário? Esse centro para ou desacelera o ritmo respiratório para voltar ao equilíbrio perfeito.

O que nos leva à pergunta: O que acontece quando bloqueamos a respiração?

Nessa circunstância muitas reações acontecem em muitos níveis, já que um bloqueio prolongado levaria a morte do indivíduo em questão!

Qualquer parada da respiração coloca o corpo em alerta vermelho, mas sabendo que o proprietário está voluntariamente parando esse ato vital, o corpo aceita cooperar. Gradativamente, com a prática, sabemos que segundo a experiência do yoga e a nossa sabedoria não devemos ultrapassar nossos limites fisiológicos para termos os benefícios.

Nosso limite: Após uma retenção do sopro, ser capaz de esvaziar os pulmões sem se apressar e conseguir uma outra inspiração lenta e tranquila. A retenção deve sempre ser confortável. Uma pequena dose a cada dia permitirá acostumar o corpo a outros níveis de oxigênio. Graças a retenções inteligentes, o sistema nervoso parassimpático se fortalece, permitindo a volta ao equilíbrio e a paz. Esse sistema gerencia nossa vida vegetativa em cooperação com o sistema nervoso simpático, dando recursos para enfrentar os desafios cotidianos.

Geralmente nós falamos de "sistema autônomo", pensando que se vira sozinho e que não podemos ter nenhuma atuação nele. O yoga prova o contrário. Pela ação do controle da respiração, podemos atuar nele para nos ajudar a manter a harmonia interna.

Podemos sentir, durante as retenções, o coração bater mais lentamente ou mais forte. Isso é normal. Constatamos também que as retenções propiciam um estado de necessidade de oxigenação, uma vontade de inspirar com mais profundidade. Acontece que nesses momentos, a troca gasosa dentro dos pulmões tem realmente tempo para ser realizada, assim a respiração tem um melhor rendimento cujos efeitos são benéficos em todos os aspectos da vida.

Finalmente podemos falar também da imobilidade da mente

Praticar yoga nos ajuda a concentrar toda nossa atenção na imobilidade, num ponto definido. A mente concentrada pode ser um recurso fantástico e uma fonte de poder. Patanjali (2), na sua famosa obra "Yoga Sutras" define o yoga como sendo (mesmo que todos os tradutores não concordem) "o controle, a redução das modificações da substância pensadora". Certos tradutores não dizem "controlar" porém "parar as modificações". Acho que "parar as modificações" é mais apropriado, já que a mente estará vazia de todos os pensamentos gerados automaticamente pelo cérebro e pelo intelecto. Para o intelecto, um pensamento já requer uma grande força de concentração. O poder da mente depende totalmente de nossa capacidade de concentração, quero dizer: nossa capacidade de imobilizar a mente.

Ainda mais quando o verdadeiro yogi, numa meditação profunda, na maior imobilidade e concentração perfeita, pode chegar ao estado de "Kevala khumbaka": a parada dos intercâmbios respiratórios. Tudo fica imóvel, o corpo, o sopro e a mente.

Parar tudo não é fácil! Principalmente parar o corpo. Permanecer um certo tempo numa postura de yoga é um desafio para sua mente, porque o corpo é feito para o movimento, é ele que protesta, é ele que quer se movimentar. Haja mente forte para convencê-lo a permanecer imóvel! Geralmente não é a dor – já que a postura será mantida aquém do limite da dor – que faz o praticante sair da postura, é a mente que sofre de impaciência!

Através da permanência, o yoga extrai todo seu poder de ação sobre o ser inteiro em todos os níveis. Finalmente, chegando na imobilidade da mente cerebral e intelectual, abrem-se novos campos para a inteligência cósmica impregnar todo o ser e o levar a estado de harmonia ainda melhor.

Como no artigo anterior, convido o leitor a experimentar essa prática com imobilidade prolongada. Assim você poderá comparar através das sensações os efeitos do hatha-yoga que hoje, desse lado do planeta, é uma das raras propostas de sessão com permanência e imobilidade.

(1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Junção_neuromuscular

(2) Os Yoga Sutras de Patanjali: ver a definição no Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Patandjáli

Os Yoga Sutras compilados por Patanjali provavelmente datam de 150 d.C.. Formam uma grande obra contendo aforismos sobre a sua prática e a sua filosofia do Yoga. O Yoga é uma das seis escolas da filosofia hindu, um sistema de meditação prática, ética e metafísica.

Patanjali tem sido freqüentemente chamado de fundador do Yoga pelo seu trabalho; o Yoga Sutra é um tratado sobre o Raja Yoga, baseado na escola Samkhya e nas escrituras hindus do Bhagavad Gita.

Esta obra não faz referência à prática de sacrifícios como uma condição. Ao desmistificar este dogma, Patanjali propôs as bases do yoga clássico, se opondo ao yoga proto-histórico. 2

Ele baseia seu trabalho nas Puranas, Vedas e Upanixades, sendo o mais brilhante tratado sobre as escrituras Hindus.

Ele também foi o criador do Ashtanga Yoga e do Raja Yoga por literalmente descobrir os oito passos do yoga. Eles são os yamas, niyamas, asana, pranayama, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi.

Atenção!

Este texto e esta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico e não se caracterizam como sendo um atendimento.