Xamanismo e a autocura

por Carminha Levy

O xamã é um arquétipo – padrão de comportamento psíquico equivalente ao instinto e, como este, pré-existente em todo ser humano. Como arquétipo, ele pode ser chamado a se desenvolver na nossa consciência tal qual a mãe desenvolve o instinto materno (outro arquétipo) na prática da arte de curar e criar seu filho.

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"De médico e de louco todos nós temos um pouco". Esta sabedoria popular nos confirma que temos um curador interno. Vamos conhecê-lo, assim você terá a possibilidade de desenvolvê-lo e praticar a autocura na sua vida cotidiana.

Através da antropologia [1], sabemos que nas tribos o xamã pode ser despertado de três formas. A primeira e mais comum é por hereditariedade, curiosamente não numa linhagem direta, mas sim visando uma geração acima, como por exemplo, do avô para o neto. A segunda é por chamamento interno – ter sido escolhido pelos espíritos dos velhos xamãs. E a terceira é por estudo e busca pessoal – o caminho de Castaneda e do meu mestre Michael Harner.

Lenda – Chamamento Interno

Vamos nos deter no chamamento interno. Conta a lenda que o fenômeno xamanístico se manifesta quando o escolhido para ser um xamã passa a ter comportamentos estranhos: se isola da tribo, fala uma linguagem inexistente, se cobre de cinzas e tem ataques que o levam ao coma 'iniciático'. Cabe ao velho xamã da tribo recolhê-lo à cabana 'iniciática', cuidar dele com cantos e queima de ervas e permanecer ao seu lado até que volte de sua longa jornada ao universo xamânico.

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Saindo em espírito, o iniciado é levado à caverna dos antigos xamãs. Eles vão celebrar a iniciação que consiste, primeiramente, em ter sua cabeça cortada e deixada num plano mais alto para que ele possa ver o que vai se passar. Seus olhos são tirados e lavados, seu corpo é desmembrado e os pedaços espalhados nas quatro direções sagradas – Norte Sul, Leste Oeste.

Os 'demônios' das doenças comem sua carne para que ele sinta a dor de todas elas. Dos pedaços, os velhos xamãs reconstroem um novo corpo que contém agora o poder de curar todas as doenças, pois as conhecem na própria carne e o processo de morte 'iniciática' termina.

Curador ferido

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É devido a isto que o xamã é conhecido como o 'curador ferido', o que lhe dá o poder de mobilizar a autocura de todas as doenças no outro que o procura como curador. Seus olhos, por terem sido lavados pelo sofrimento, após recolocados, recebem o poder de ver qualquer questão sob todos os ângulos, sem julgamento. Surge um novo e poderoso ser que, para não ser tomado pela onipotência, necessita de um sinal que lhe mostre sua precariedade humana e esse é um ossinho que faltará no seu novo corpo (o equivalente ao calcanhar de Aquiles), e que irá determinar sua limitação.

O xamã retorna da caverna dos antigos xamãs, assume seu corpo físico e sai do coma' iniciático'. Foi artífice de sua morte e de um renascimento – sua autocura acompanhada de sua missão de ser curador. É recebido e ungido pelos xamãs da tribo e uma grande festa se inicia em agradecimento ao Grande Espírito pela continuidade da linhagem xamânica.

Como este fenômeno se manisfeta na prática hoje em dia?

Este fenômeno hoje pode manisfestar-se entre os neoxamãs urbanos, como uma séria doença na qual houve um confronto com a morte e a pessoa saiu ilesa e volta à vida diária com outra perspectiva. Seu coração está aberto às dores do mundo, consegue ver as duas versões de um mesmo fato, não julga. Intensas compaixão e misericórdia guiam seus passos. Sente um forte apelo pelo Divino e o procura através de vários caminhos. A doença (a quase-morte) foi sua autocura espiritual que se manifesta pela busca de um novo sentido de vida – um renascimento para a luz.

Mesmo que você nunca tenha passado por uma experiência extrema dessa ordem, seu arquétipo do xamã está sempre à espera de ser despertado, pois "de médico e de louco…"

Faça a sua autocura

Diariamente podemos viver situações de morte: o fim de um casamento, uma falência, sociedades sólidas que se rompem litigiosamente, um emprego perdido, uma traição amorosa, entre outras. Usando seu xamã interno e a força de autocura, você pode modificar a sua vida.

É necessário apenas que você tenha fé neste dom de se autocurar e força de vontade para levar avante seu processo de cura, que só se concretizará com seu desejo de mudar.

Toda mudança é uma cura e toda cura exige uma mudança conduzida pelo seu ego. Você pode, com a ajuda do xamã, mudar seus padrões de comportamento: sair de relacionamentos neuróticos nos quais sua dignidade é atingida; limpar o seu coração e sua mente de ódios, mágoas, ressentimentos, rancor e se entregar à autocura.

Mas, convém lembrar, que nem o melhor médico, psicólogo ou xamã poderá curá-lo se você não estiver decidido, pela força de vontade de seu ego, a fazê-lo. E para ajudá-lo nisto, ofereço-lhe esta prática xamânica.

Prática xamânica para a autocura

Focalize um protetor seu: Anjo, Santo, Orixá… sua intenção clara do que deseja e se deixe levar pelas batidas do tambor, o trote do tambor é o seu 'cavalo'. Prepare um ambiente e marque as 4 direções sagradas; acenda uma vela (leste), um copo com água (sul), uma plantinha (oeste), incenso (norte). Clique aqui e leia mais

Ponha um CD de tambor, chame um animal para lhe acompanhar e também seu guia espiritual. Imagine que entra em uma caverna iluminada, encontra um túnel e caminham vocês três por ele até encontrarem uma porta camuflada no fim do túnel. Peça ao animal para abri-la. Só ele pode fazer isso. Entre num novo espaço.

Será recebido, à esquerda, por um guardião que lhe pedirá algo de sua personalidade (medo, orgulho, raiva, etc) que está impedindo a sua cura. Dê, de coração, e peça passagem.

Talvez você seja recebido na entrada, depois que a passagem foi concedida, por um novo animal, que é uma de suas forças de cura. Eles, ao seu pedido, lhes levarão ao grande obstáculo que impede a sua cura. Este poderá ser concreto (uma pessoa, uma barreira de fogo ou gelo, por exemplo) ou simbólico. Um bastão (seu poder pessoal) aparecerá magicamente nas suas mãos. Destrua o obstáculo com uma só 'bastonada' , 'sem amor e sem ódio' – sem julgamento. Tudo o que aparecer, mesmo que seja uma pessoa, destrua, e mande para a luz.

Sua cura está feita no universo xamânico e você já pode voltar pelo mesmo caminho. Agradeça aos seus animais e ao seu guia. Desligue o som e escreva sua experiência.

Muitas vezes ela é meio imprecisa e também o símbolo não é entendido e precisa ser interpretado. Use dicionário de símbolos ou de sonhos – dê um tempo, confie e use toda a sua força de vontade para concretizar no aqui e agora, com a força de seu ego, sua mudança, sua cura. Só você pode fazê-lo.

[1] Xamanismo e técnicas arcaicas do êxtase, de Mircea Eliade