Adolescência: fatores de risco e de proteção

por Ceres Araujo

O cérebro em construção, na época da puberdade e durante toda a adolescência, sofre mudanças consideráveis. O pré-adolescente perde o padrão de funcionamento anterior, que, na infância, assegurava um modo de funcionar mais ligado às órbitas das figuras parentais. Começa a surgir um ser novo, instável, inseguro, irrequieto e ansioso. Seu cérebro está em processo de reorganização; diferentes redes neuronais estão se formando e surgem modos novos de viver as experiências da vida.

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Da puberdade até o fim da adolescência e, não raro, ainda no início da vida adulta, predominam a desorganização, a desorientação, a instabilidade, a dificuldade de saber e de expressar o que se quer, o que se precisa, a dificuldade de escolha, as perdas na atenção, as alterações no processamento das informações, as falhas na memória de trabalho etc. Torna-se muito difícil para o jovem, a mediação entre as pressões dos seus impulsos internos e entre as exigências para adaptação ao mundo externo. Conflitos de diferentes ordens passam a ser inexoráveis. Observa-se um aumento no nível de estresse, muitas vezes superior ao que o indivíduo, até então, está acostumado a administrar.

Cabe ao adolescente o confronto com o mundo dos pais e dos adultos em geral para buscar a própria autonomia. O desejo da independência, de dirigir o seu destino é louvável e muito desejável, pois está relacionado aos ensaios de posturas de afirmação na vida, ainda que, muitas vezes, seja atuado por experiências atabalhoadas. Mas, são justamente essas experiências que vão remodelando o cérebro, para criar padrões novos e fundamentais para o desenvolvimento. Na trajetória do desenvolvimento humano, esse é um dos momentos mais constitutivos para a formação da psique. Cabe, aqui, discutir os fatores de risco e os fatores de proteção mais importantes que incidem sobre esse momento.

Muitos estudiosos da Psicologia, da Sociologia e da Pedagogia principalmente, vêm descrevendo fatores relacionados à nossa época como determinantes para as patologias encontradas, no que se refere, atualmente, aos adolescentes. São elencados entre eles: o uso excessivo dos eletrônicos, a falta de convívio e relacionamento adequados com os pais, a falta de bons professores, a falta de modelos íntegros e respeitáveis para se identificarem, o crescimento da violência nas cidades e nas escolas, a falta de ética e princípios da nossa sociedade atual…

Sem dúvida, são importantes fatores de risco para o desenvolvimento, entretanto não se deve, a meu ver, usar um raciocínio causal para estimar os riscos para o adolescente. Inúmeros fatores podem estar combinados de forma dinâmica e potencializados em determinados momentos da vida e aí, então, ter a probabilidade de levar a catástrofes.

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Há de se considerar sobretudo que esses fatores em geral combinados, incidem sobre seres altamente vulneráveis, dadas as mudanças pelas quais seu cérebro, mente e corpo estão passando. Separar-se do mundo dos pais, significa morrer para a infância, matar o filhinho da mamãe e do papai, para nascer como individuo autônomo. Os pais da criança também precisam simbolicamente morrer para nascer os pais do adolescente. O processo do desenvolvimento humano, do ser que, diferente dos animais, tem consciência de si mesmo, é um processo permeado por mortes e nascimentos: morre-se para uma fase anterior e nasce-se para uma fase posterior. Algumas culturas têm rituais de passagem, os quais facilitam esses processos.

Na nossa cultura e na nossa sociedade, na época atual, esses rituais são praticamente inexistentes e se existem são, em geral, inconsistentes. Assim, o jovem, ao buscar a autonomia necessária, percebe o outro lado dela: a falta de segurança, até então assegurada pelos pais, a falta de pertencimento, a solidão e até o vazio da existência. Ainda irá demorar um tempo para se adquirir um sentido para a vida.  A falta de ideologias, de metas, de propósito de vida que caracteriza a sociedade narcisista e individualista da contemporaneidade torna-se um risco imenso para o ser humano jovem, sozinho e desorientado.  

Em relação às mudanças da adolescência, alguns jovens conseguem se adaptar com flexibilidade às novas circunstâncias e desafios, enquanto que  outros, ao contrário, ultrapassam essas mudanças a duras penas, vivendo mal- estar constante, altos níveis de estresse e ansiedade, e com fantasias de destruição e autodestruição.  Surge o risco maior do uso e da dependência de drogas, na busca de alívio.

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Fatores de proteção

No que se refere aos fatores de proteção, verifica-se que os adolescentes que conseguem se adaptar melhor às mudanças da idade são aqueles que receberam dos pais, afeto e segurança durante a infância, que aprenderam a lidar com limites e frustrações, que internalizaram um sistema de valores, normas e princípios de conduta e que adquiriram confiança e segurança em si mesmos. São adolescentes que encontraram em seu entorno, estruturas familiares, sociais e culturais suficientemente boas, as quais reconheceram neles o valor, a competência e a viabilidade de sua existência como seres únicos.  Ser reconhecido e valorizado frente a seus recursos, potencializa no jovem a possibilidade de transformar dificuldades ou adversidades em desafios e enfrentá-los.

Para se sentir valorizado, o jovem precisa se sentir competente no que faz, competente na construção do conhecimento e competente também socialmente. É dessa forma que a autoestima funciona como um fator de proteção importante para os riscos da idade. Cumpre lembrar que é uma boa autoestima que permite uma adequada autocrítica.

Mas, não só as trocas afetivas vividas com os familiares são fundamentais nessa época da vida. Na adolescência, as trocas afetivas realizadas fora da família assumem uma importância considerável.  É aí que o jovem se testa e avalia seus recursos, estabelecendo relações interpessoais que o inserem em uma dimensão maior, no mundo não só das pessoas, mas por meio delas também no mundo das ideias. Aí, a solidão sentida antes, se atenua.

Infelizmente, muitos adultos preconceituosos se referem ao adolescente como “aborrecente”. É grave equívoco considerá-lo assim, pois na adolescência está o germe da criatividade do ser humano.  Quando o jovem é compreendido em suas reações instáveis, fica mais fácil para ele e para os que o cercam,  viver o dia a dia, mas quando ele é considerado o “aborrecente”, tem-se um fator de risco importante.

Finalmente, pais têm uma função muito importante nesse processo. Cumpre acompanhar bem de perto o momento pelo qual passam suas “ex-crianças”. Cuidado com castigos descontextualizados, com pressões descabidas e com imposição de padrões antigos, disfuncionais para a idade do filho e para a contemporaneidade. É fundamental se criar uma relação dialética, de trocas, mediante diálogos possíveis, acordos criativos que possam garantir segurança a esse filho momentaneamente tão desorganizado e que não sabe disso.