O novo Homo sapiens vem aí?

Por Martin Portner

A ciência dos exercícios físicos está sofrendo uma revolução de conceito no século 21.

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Especialistas defendem que exercícios breves, porém intensos, trazem mais benefícios ao coração, pulmão e cérebro do que os exercícios aeróbicos “habituais”. Significa dizer que pular corda durante 1 minuto e repousar no minuto seguinte, com uma repetição de seis vezes, totalizando 12 minutos, é mais benéfico do que uma caminhada de uma hora.

O segredo é o empenho. Caminhar é esforço em modo automático; você caminha e a mente vai cuidar de outros assuntos. No exercício por intervalos a mente foca no que você está fazendo.

Revolução semelhante vem acontecendo com o preparo mental. Hoje em dia o melhor exercício de foco para a mente é conhecido por mindfulness. Trazido da cultura milenar budista para debaixo do guarda-chuva da neurociência, a meditação mindfulness é considerada o melhor antídoto existente contra o estresse.

A vida moderna nos impõe dois grandes desafios: um deles é a adaptação às transformações globais, onde novas funções, tarefas e desafios surgem a cada semana. O outro é a não menos exigente vida digital, onde está incluída as fatigantes horas de dedicação às redes sociais.

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A adaptação ao sistema de multitarefas nos cobra um preço alto: perdemos a capacidade de debruçar-nos sobre nossos problemas, ideias ou projetos de forma sustentada. Preferimos responder e-mails, recados no Whatsapp e posts no Facebook do que mergulhar em nossas metas de crescimento pessoal.

Não subir no vagão da vida moderna é algo impensável; mas fazê-lo sem preparo pode nos adoecer. Basta lembrar que o Brasil ocupa a primeira e segunda posições, respectivamente, no ranking mundial da ansiedade e depressão, os inimigos mentais número 1 na virada do milênio.

Por esta razão, o mindfulness está em alta. Mindfulness e vida digital, de certa maneira, se completam; ficam os benefícios e os efeitos indesejados são anulados.

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Mindfulness: foco na respiração

O exercício de mindfulness é feito através do foco na respiração. Respirações pausadas, em que o período da saída do ar é um pouco mais longo e são monitoradas pela mente por um tempo de 20 minutos. São cerca de 100 respirações. Pensamentos não convidados tentam interromper o foco; eles são afastados de forma suave e sem nenhum tipo de julgamento quanto ao seu conteúdo.

Recentemente, a exigência de foco subiu de patamar. Além da respiração, podemos fazer o exercício de mindfulness monitorando, conscientemente, os batimentos do coração no peito. É como se fizéssemos uma espécie de particionamento da mente: metade dela vai para a respiração e a outra busca e acompanha os batimentos cardíacos. Haja foco, mas o resultado é o extraordinário fortalecimento do grau de sintonia dos neurônios cerebrais que cuidam da atenção dirigida.

Essa vertente vem de pesquisas sólidas. Descobriu-se que os sistemas cerebrais que “sentem o coração” estão desligados em pessoas afetadas pela ansiedade.

Nas pessoas que não apresentam os sintomas dessa disfunção, os batimentos cardíacos são percebidos e seu ritmo ajuda a contextualizar o que acontece nos corredores da mente. Assim, ao conhecermos uma pessoa que nos parece antipática à primeira vista, a neutralidade do ritmo do coração poderá provocar uma reversão da antipatia. E em um experimento publicado na prestigiosa revista Nature, os autores mostraram que corretores experimentados da bolsa de valores londrina eram sensíveis às guinadas do ritmo cardíaco no decurso de suas transações no mercado de futuros.

Uma incrível aliança parece delinear-se no horizonte: rodadas extenuantes de multitarefas separadas por breves, porém intensos exercícios de foco. Um esforço alia-se ao outro. Cedo para dizer, mas arrisco pensar que vem aí um novo perfil para o Homo sapiens.
 

Fonte: Martin Portner é Médico Neurologista , Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness.