Para vencer um desafio é preciso regular o pensamento e a emoção

Por Renato Miranda

Já dizia o ditado do folclore futebolístico: "Pênalti é tão importante que o presidente do clube é que deveria batê-lo!". Há uma verdade popular nesse ditado; muitas vezes em Copas do Mundo, Campeonatos Continentais; como a Copa América e a Eurocopa (campeonato europeu de seleções) muitos jogos decisivos são decididos em cobranças de pênaltis.

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Escuto, por vezes, atletas, profissionais do esporte e mídia especializada afirmarem que disputa por pênaltis "é loteria", obra do acaso ou algo parecido. Outros profissionais do mesmo setor afirmam ao contrário: disputa por pênaltis é questão de treinamento e preparação especializada.

Fico com o segundo grupo, a disputa por pênaltis é um processo que exige treinamento (e muito!) e conexões entre a preparação física, técnica, tática e psicológica. Ao se tratar de futebol profissional acredito que a preparação psicológica ganha certo destaque em função do pressuposto que atletas profissionais dominam a técnica do chute de bola parada de onze metros (distância da cobrança de pênaltis!).

Acredito que seria melhor então substituir a palavra drama, pela palavra desafio. Decerto todo desafio para ser enfrentado sem drama exige muito treinamento qualificado!

Considerando um bom treinamento para essa tarefa que englobe todos os aspectos de desempenho citados acima, proponho algumas alternativas de ações para essa tarefa recheada de fortes emoções. Não há mistérios, o que há é preparação e comportamentos adequados. Pois então, vamos lá!

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Primeiramente, é preciso considerar que uma disputa por pênaltis é uma sequência de uma disputa anterior. Ou seja, ela é feita após noventa minutos de jogo e uma prorrogação de mais trinta minutos, portanto há um desgaste físico intenso e quando o jogo termina, o atleta tem poucos minutos para se recuperar (ao menos em níveis relativos para a realização da cobrança).

Assim sendo, após o intenso esforço despendido durante o jogo, os atletas tendem a entrar em um processo autonômico de relaxamento, induzido por neurotransmissores associados às respostas aos exercícios árduos e a recuperação como a endorfina e serotonina.

Esse relaxamento pode ser excessivo e um estado de certo "torpor" pode desmobilizar o atleta, provocando apatia física com consequência psicológica representada pelo desânimo.

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A solução é, após um pequeno intervalo, aumentar a ativação dos atletas através de movimentos graduais de excitação (movimentos intensos), dar ênfase à inspiração (curta e intensa), usar pequenos diálogos de incentivo (utilizando expressões como: "força!", "tenha confiança!" ou algo parecido).

Ao mesmo tempo é fundamental que o atleta tenha um plano mental de suas ações (tática para cobrança do pênalti), baseado principalmente em sua capacidade técnica e as possibilidades de ações do goleiro (saber as características do comportamento tático do goleiro). Desse modo, ele visualiza mentalmente como ele deve cobrar o pênalti (do início ao fim da execução do mesmo).

Quando os atletas ficam parados no meio de campo, esperando a vez de cobrar o pênalti, e ao chegar na hora, o mesmo vai caminhando para fazer sua cobrança, não é um bom comportamento. É uma atitude que não permite o organismo se ativar novamente e ao mesmo tempo aumenta a possibilidade do atleta pensar negativamente e/ou aumentar a tensão. A "caminhada" até o local da cobrança pode ser algo intimidador e apavorante.
Nesse caso a solução é o atleta ir correndo em uma atitude vigorosa e motivante. Há com isso uma nova mobilização psicofísica (reunir o melhor da condição física e psicológica) do atleta e diminuição da tensão e do tempo para pensar negativamente.

Além disso, é crucial imaginar o plano de ação antes da cobrança do pênalti por meio do foco estreito interno – focalizar em um ou dois sinais e regular o pensamento e a emoção. Em seguida no momento do apito do árbitro (é bom não ter pressa para bater o pênalti, pois com uma pequena espera o atleta pode "perturbar" o plano de ação do goleiro); é preciso utilizar o foco estreito externo – focalizar um ou dois sinais e o objeto da ação, a bola.

Ressalto que no momento exato do chute o foco da atenção esteja voltado para a bola (apenas um sinal "olho na bola!") para um chute preciso e de boa intensidade.

Ademais, é crucial que técnico e atletas tenham um ótimo relacionamento de confiança mútua e que, não obstante, o atleta que não estiver se sentindo bem (muito cansado ou com dores excesivas) ou sem confiança, não vá para a cobrança, independentemente daquilo que foi treinado anteriormente. Para tanto, vários atletas devem se preparar para a tarefa e não apenas aqueles cinco atletas que a regra prevê em uma primeira rodada de cobranças.

Por fim, me lembro de uma resposta de meu orientador (Anatoli Aleseév) em psicologia do esporte na Rússia quando falávamos sobre a frieza do atleta: "Não existe atleta frio! Existe atleta treinado!".