O caminho do meio a ser trilhado pelo ‘grande homem’

Por Regina Wielenska

Tomei descaradamente emprestado duas expressões típicas usadas na tradução para o Português do oráculo de origem chinesa, o I Ching. A primeira, o caminho do meio, refere-se ao comportamento de fazer boas escolhas, provavelmente ponderadas, moderadas, éticas e corajosas. O grande homem representa aquele indivíduo com habilidades tais que o qualificam para fazer estas escolhas, implementá-las e arcar com suas consequências. Num toque de modernidade ouso dizer que um grande homem é uma pessoa flexível em seu modo de ver o mundo, sensível às flutuações do mundo externo e interno.

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Aqui precisamos falar sobre regras. Pensando bem, uma consagrada receita de bolo ou de estrogonofe especifica um tipo de regra: se você juntar os ingredientes tais e tais, nas quantidades mencionadas na receita e prepará-las de acordo com as instruções é muito provável que o resultado seja um delicioso bolo ou estrogonofe. Se você comprar carne de má qualidade ou o fermento para o bolo estiver vencido, a receita fica comprometida. Aqui a coisa é pá pum: regra seguida ao pé da letra, sucesso praticamente garantido.

Mas (e sempre há um mas), e se a regra for algo como “manga com leite mata, estes ingredientes não podem ser ingeridos juntos”? Uai, mas sorvete cremoso de manga não leva leite na composição? E salada de fruta que tenha manga não pode ser comida com leite condensado, creme de leite ou chantilly?

Estou quase estreando na terceira idade, mas ainda lembro-me de minha avó tentando me convencer de que “mulher menstruada não deveria lavar a cabeça porque o sangue subiria na cabeça”. Mas toda cabeça precisa ser vascularizada, vó! Mas o sangue da menstruação se subir, a mulher enlouquece. Mas e se a mulher tomar chuva, vó? Vai pirar também, ou só vale para o chuveiro? Regina, espera até a menopausa para ver o que vai acontecer porque hoje você cisma de lavar a cabeça menstruada… a vaga ameaça pairava no ar.

Há regras que são obviamente uma canoa furada, frutos de uma época de ignorância e repressão. Conseguimos sem dificuldade captar as falácias das regras acimas. Entretanto, há regras mais sutis, ligadas ao domínio dos afetos, das relações interpessoais, que variam conforme as pessoas envolvidas, seus valores, contextos culturais etc. Estamos pisando no pantanoso terreno das regras sociais, de comportamento, coisas que envolvem valores, o que somos, o que desejamos aparentar, o que achamos que os outros pensam a respeito de nós e por aí vai.

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Quão mais subjetivo for o tema, mais precisamos ser flexíveis e observar com atenção as variáveis que compõem o quebra-cabeça. Rigidez não ajuda muito, só engessa a pessoa e seus rumos ficam restritos. A conquista da liberdade envolve assumir as consequências de nossos atos, das escolhas feitas nas condições possíveis, e vale desfrutar das conquistas. Faz-se necessária uma habilidade de aprender com os erros.

Haja jogo de cintura, não? E o mais difícil é fazer tudo isso mantendo-nos fiéis a princípios que nos pareçam fundamentais, inegociáveis. Quais os seus? Honestidade, compaixão, ou o quê? E não confundam fachada com realidade, por favor.