Por que dizer ‘não te devo nada’

Por Ângelo Medina

O escritor e um dos mais longevos colunistas do Vya Estelar, numa fase decano, Roberto Goldkorn, infelizmente, falecido ano passado, genial que era, transformou uma atitude corriqueira do cotidiano em livro. É aquela atitude, generosa ou não, de alguém que te faz um favor (um bem), e por conta disso você acaba se tornando um eterno devedor, refém emocional dessa pessoa. O nome do livro: “Não te devo nada”.
   
A frase de Victor Hugo traz uma atitude preventiva para você não se tornar um passivo de alguém, e consequentemente não ser abusado por conta de uma dívida impagável.

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Roberto não desaconselha o recebimento do bem, mas dispara: "Dizer ‘não te devo nada’, lhe ajuda a deixar de ser um refém emocional dos outros e de ser um escravo dos sentimentos negativos".

Abaixo, um trecho do livro que ilustra com precisão o vínculo credor-passivo nas relações interpessoais:

"Um certo dia, ela me contou, ‘encontrei-o na rua, em frente de casa, caído, machucado… Levei-o para dentro com muito esforço, limpei-o, fiz-lhe curativos nos ferimentos, coloquei-lhe roupa limpa, dei-lhe um café forte, e só aí ele acordou.

Levou algum tempo para perceber o que havia acontecido, mas, quando se deu conta, levantou-se, sentou-se na cama, e, com o dedo apontado na minha direção, disse: NÃO TE DEVO NADA! Você fez o que fez porque quis, eu não lhe pedi nada. Nunca me venha depois me cobrar isso!’

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Sorrindo, ela completou: ‘Mesmo de ressaca, ele sempre soube que as verdadeiras boas ações não são investimentos que fazemos para podermos um dia resgatar com juros… Ao se libertar daquilo que seria uma dívida, e por não se considerar um devedor, libertou-me do incômodo papel de credora. Dessa maneira, continuamos sendo um homem e uma mulher que se amam e estão juntos apenas, e somente, por causa deste sentimento’.”

Ninguém gosta de se sentir um eterno devedor de ninguém. Isso aprisiona e transforma as pessoas em reféns, formando uma rede de credores e devedores.

Você com certeza já passou por uma ceia de Natal, daquele tipo, mesa farta e a parentália toda, onde provavelmente encontrou algum parente que desejaria que estivesse lá no Afeganistão.

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Você pode, se quiser, se libertar internamente desse passivo, e com tom de delicadeza ou de assertividade, dependendo da circunstância, simplesmente dizer: “Não te devo nada”.

Eu, certa ocasião, rompi uma amizade por ter me sentido um eterno devedor, sem condições de pagar o calhamaço de faturas vindas como favor. Faltou-me na época maturidade para manter esse vínculo e perpetuar um dos principais alicerces que dão um real sentido à vida: ter amigos e estar com pessoas queridas.