E agora, José?

Por Ângelo Medina

Em algum momento todos passaremos por alguma fase em que o destino destroça todo o nosso Ser, nossa vida. Parece que não sobrou nada, a vida não tem sentido algum e a melhor opção seria poder morrer…  O que fazer num momento como esse?

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Lembrei-me do célebre poema de Drummond – José – que traz com absurda e extremada eloquência, a situação descrita no parágrafo acima.

Drummond propõe uma sapientíssima e genial solução para José, para os bilhões de Josés do planeta.   Uma saída digna de um Lama, de um avatar, de um guerreiro. Uma solução muito apreciada pelo Poder Superior…

Quando tudo parece perdido e a melhor saída seria não viver mais… Drummond deixa o pano cair soberbamente nos dois últimos versos do poema com a melhor saída possível:  

você marcha, José!
José, para onde?

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A única saída em uma circunstância como essa é “aceitar o destino” e seguir o fluxo da vida. Seguir o fluxo é pouco, você pode ir hesitante, desORDENAdamente, tropeçando, cambaleando.

A ordem de Drummond é marchar: prosseguir firme no seu caminho, acolhendo o desconhecido, com fé, coragem e de cabeça erguida.

O caminho da marcha requer: disciplina, firmeza, etapas e auto-organização.

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Abaixo o poema na íntegra:    
          
José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?