Medo de fatalidades na vida leva ao trabalho a mais

por Flávio Gikovate

A atividade essencial da nossa razão adulta se dirige para o trabalho. Esta palavra significa hoje um dispêndio de energia física e psíquica relacionado ao ganho do dinheiro com o qual possamos adquirir as coisas que necessitamos ou desejamos.

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Dispensamos mais ou menos terça parte de nosso tempo em atividades chamadas de produtivas. A maior parte das pessoas não gosta do que faz, de modo que o trabalho tenha assim uma conotação negativa: é percebido como penoso, exercido apenas em função da recompensa que traz.

Como o nosso planeta não nos fornece espontaneamente as coisas que necessitamos, somos forçados a interferir sobre suas peculiaridades com o intuito de obtermos o que nos falta.

A experiência nos ensina que o trabalho, essa atividade racional e com objetivo claro e definido de obtermos o necessário para a nossa sobrevivência, sofre influência de emoções que alteram a singeleza e a objetividade de seu curso.
        
Algumas pessoas podem, por exemplo, trabalhar muito mais do que necessitam para fins de sobrevivência. Se forem eficientes no seu esforço, tenderão a acumular bens e dinheiro. Elas poderão fazê-lo com o intuito de se protegerem contra possíveis adversidades do futuro.

Se o temor do futuro for bastante influente no processo psíquico, a tendência para a acumulação do fruto do trabalho será uma decorrência inevitável.

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A pessoa passa a trabalhar para o que necessita hoje e trabalhará para o futuro, para a eventualidade de não poder trabalhar.    
   
A capacidade de imaginar e o medo de fatalidades possíveis mais adiante no caminho da vida, interferem na relação do homem com o trabalho e determinam uma tendência para o trabalho a mais. Isso acontecerá com maior vigor em algumas pessoas e menos intenso em outras.

A capacidade de imaginar e de temer são variáveis; as forças e competências para o trabalho a mais também variam. A inteligência e a destreza das pessoas para as atividades produtivas também são extremamente variadas. E é sempre ingênuo pensar que tenhamos nascidos todos iguais. Da mesma forma, são diferentes as competências físicas e a disposição para o esforço.
       
Assim é fácil supor que duas pessoas dediquem o mesmo tempo e energia a uma mesma tarefa e obtenham resultados muito diferentes. Aquele que obtém resultados mais gratificantes, tenderá a se satisfazer mais com a tarefa, pois se sentirá melhor recompensado pelo esforço e isso o levará a ter estímulos para repetir o esforço e até mesmo para fazê-lo com mais intensidade. Aquele que obtiver melhores resultados tenderá a trabalhar mais e o que tiver piores resultados fará o estritamente necessário.

Esse aspecto da psicologia humana: a necessidade de recompensa proporcional ao esforço, não deve ser negligenciado, sob pena de imaginarmos um mundo idealizado, que já mais existirá na realidade.    

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Aquelas pessoas que, movidas pelo medo de adversidades futuras, sucedem na acumulação de bens para além do que necessitam, passam a ser vistas pelas outras criaturas que as cercam como especiais.

Elas atraem olhares de admiração, pois foram bem-sucedidas numa proeza que nem todas obtiveram igual resultado: são vistas como mais fortes e poderosas. E isso lhes desperta a sensação erótica (muito prazerosa) da vaidade.  Elas se sentem especiais, importantes; se sentem superiores.