Para muitos, reality show é única via aparente de ascensão social

por Regina Wielenska

Não é novidade afirmar que vivemos numa cultura que cria celebridades instantâneas.

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De tempos em tempos me deparo na Internet com manchetes como “Fulano e Beltrano brigam pelo poder”. Quem são eles? Políticos de onde? O que me salva é a foto da chamada, a qual me dispensa do trabalho de ler a notícia para só então descobrir que se está a comentar sobre participantes do reality show da vez.

Fico impressionada com o número enorme de garotos e meninas que sonham e investem muito esforço e seu pouco dinheiro buscando chances de ingresso nas carreiras de jogador de futebol e modelo. E alguns deles o fazem por incentivo parental, a família se sacrifica pagando os custos de transporte, chuteiras, aulas de passarela e books com duvidosa qualidade. No entanto, pouco sacrifício pode advir das mesmas famílias na hora de estimular a leitura, os estudos, o contato com a arte, a aprendizagem, em seu sentido estrito ou amplo.

O que parece ocorrer é que para algumas famílias com poucas posses a única via aparente de ascensão social seria o estrelato dos reality shows, o campo de futebol ou as passarelas. Para cada mil candidatos a modelo ou jogador, talvez apenas um seja contratado. De cada mil contratados, apenas dois ou três chegam ao ápice da carreira. E só um ou dois seguem com sua carreira até o fim, realizados e com futuro assegurado.

Além do motivo financeiro, há pais que buscam compensar suas frustrações por meio do sucesso da geração seguinte. Muitas mulheres não se sentiram suficientemente belas, desejadas e bem de vida e insistem que as filhas trilhem caminhos supostamente melhores. Assisti às muitas chamadas de um programa americano na TV a cabo que versa sobre concursos de beleza para meninas que mal largaram as fraldas e são submetidas a uma rotina de tratamentos estéticos e ensaios, insensatos até mesmo para mulheres “donas de si”. Vestida como híbrido vulgar de boneca de plástico e prostituta, a menina de uns cinco anos, com coroa de miss, segura um monte de dinheiro, o prêmio do primeiro lugar, e diz: “consegui mil dólares”. Posso exagerar, mas submeter crianças a tais práticas se torna quase um incentivo à pedofilia.

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Tenho a alegria ocasional de testemunhar pais que de fato sacrificam até o que comem se isso for preciso para ajudar o filho a permanecer estudando, “para se tornar alguém de bem”, segundo costumam dizer. Fico comovida quando vou a uma livraria ou biblioteca infantil e vejo o adulto lendo histórias para sua criança, sentados num canto qualquer e envolvidos com as palavras e ilustrações. Também me encanta ver pais que deixam de lado seus afazeres para juntos simplesmente jogarem conversa fora, resolverem problemas da lição de casa, brincarem e trocarem carinho.

Nesses casos, os valores que norteiam as ações parentais são a formação do filho e a construção da afetividade. Filho não é, para eles, trampolim para transitório ou perene enriquecimento material. Aliás, o usual é que o enriquecimento pela fama seja transitório, por dois motivos. O primeiro por incapacidade para se manter na crista da onda. Estamos numa sociedade que facilmente troca de interesse, ávida por novas caras, geralmente proprietárias de belos corpos e mentes ocas, ou conhecidas por seu comportamento inadequado. O sucesso calcado no visual ou na bizarrice não dura muito, a fonte vai secar em breve e o sujeito sem talento será arremessado ao monturo de esquecidos pelo público. A segunda razão da transitoriedade do dinheiro trazido pela fama é a falta de habilidade para gerir o fruto do sucesso midiático. Quem nunca comeu melado quando come se lambuza, não é esse o ditado? O sujeito compra carro de luxo, relógios e roupa de marca, frequenta baladas e paga contas astronômicas do camarote de casa noturna. Nem calcula se o dinheiro gasto vai lhe fazer falta. Afinal, o dinheiro parece fácil, pois entra inicialmente aos borbotões.

Abusos alcoólicos, cocaína, a proximidade com o submundo ou a fatalidade de uma fratura grande podem destruir a carreira ascendente do futebolista. Desde o tempo de Garrincha isso acontece, basta lembrar de que a talentosíssima cantora Elza Soares precisou manter financeiramente seu homem, que não mais jogava futebol, ou ele não teria abrigo e alimento. Ela, por sua vez, aprimorou a voz encorpada e rouca, estudou Inglês, manteve a forma física, flertou fortemente com o jazz e recebeu prêmios internacionais, trabalhou até não mais poder e hoje ainda se mantém íntegra, ativa e admirada por todos.

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Em suma, fama e sucesso são para poucos. Seus resultados iniciais encantam. Mas a poucos famosos o futuro lhes sorrirá de verdade. Por outro lado, é muito mais duro cultivar o respeito e o renome. Para isso há que se ter esforço, dedicação, bom repertório pessoal de habilidades sociais, acadêmicas e afetivas. Manter o pé solidamente fincado em valores maiores pode ajudar um sujeito anônimo que, no silêncio da noite, sem que ninguém mais saiba, tenha motivos dos quais se orgulhar. Alguém assim pode alcançar patamares acima do seu ponto de partida, e essa é a história de muitos homens e mulheres, queridos e respeitados por seus pares.