Omitir-se ao relato de abuso infantil é tão grave quanto o ato em si

por Rosemeire Zago

No dia 18 de maio foi o Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração contra Crianças e Adolescentes, data que foi deferida pela Lei Federal 9907 em 17 de maio de 2000. Essa semana foi marcada por movimentos em diversos lugares. Principalmente para aqueles que sofreram algum tipo de abuso.

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Vivemos em uma sociedade que ainda nega e/ou faz que nada acontece, ainda mais se o abuso for dentro da própria família, sendo o que, lamentavelmente, acontece na maioria das vezes.

Por um lado temos pais que se omitem, mesmo quando ouvem o desabafo do próprio(a) filho(a) e nada fazem. E mais absurdo ainda: pais são omissos, mesmo que justifiquem que não saibam como agir, muitas vezes porque eles mesmos foram abusados quando crianças e tiveram que se calar. De toda forma, o silêncio por qualquer um dos lados, seja dos pais ou de crianças que hoje são adultas, de nada irá ajudar. Na dificuldade em lidar com essa questão, é necessário que os pais procurem um psicoterapeuta com larga experiência no assunto.

É preciso entender que quanto mais for reprimido e/ou negado o que aconteceu na infância, como se nada tivesse acontecido, mais será a compulsão a repetir padrões do passado, levando a mais dor e sofrimento. A apresentadora Xuxa deu um depoimento comovente e corajoso essa semana. Corajoso porque ainda vivemos numa sociedade marcada pela hipocrisia, onde se mantém o silêncio, não importando as dores de quem as sente, tudo para a manutenção de uma “suposta família”. Ela expressou sua dor ao falar sobre o abuso que sofreu quando criança e a vergonha e culpa com consequências para toda uma vida.

Seu testemunho foi forte, que com certeza calou profundamente em quem viveu algum abuso quando criança e se identificou com sua história. Espero que seu testemunho encoraje outras pessoas a quebrarem o silêncio, permitindo que outras vítimas de abuso consigam falar, expressar uma dor reprimida por muitos anos, que quase sempre se expressa através dos sintomas da linguagem corporal, ou até nos próprios filhos, ainda que não se assuma tal comportamento. O caso dela foi de abuso sexual, mas há outros tipos de abusos: o emocional e físico que onde também deixam muitas sequelas.

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Mas por que as vítimas de abuso não falam?

Em geral, por vergonha, por não encontrar quem as ouça, as compreenda e leve a sério suas dores. E também não falam porque quando contaram para um dos pais e esses foram omissos, acabam por acreditar que outra pessoa agirá da mesma forma. Podemos assim perceber que a omissão é tão grave quanto o abuso. E outras não falam porque ainda esperam, um dia, receber o amor e respeito que nunca experimentaram. E essa expectativa, muitas vezes, não passa com os anos, apenas é transferida para outras pessoas, quando se dá a repetição de padrão. Ou seja, poderá se relacionar com pessoas que irão fazer se sentir como se sentia na infância.

Pare! Reflita sobre sua vida, monte seu quebra-cabeças e relacione tudo que viveu e está vivendo, buscando encaixar as peças.

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Algumas pessoas lembram o que lhes aconteceu, outras não têm nenhuma lembrança, apenas sintomas, alguns iguais aos que tinha quando criança. Muitas vezes, mesmo que continue negando o que aconteceu em sua infância, poderá ter sonhos com cenas do que viveu e reprimiu, mas que sequer relaciona. Essa negação acontece em geral, porque quem sofreu abuso também sofreu ameaças, onde foi proibido expressar qualquer sentimento, gerando apenas medo e cada vez mais silêncio.

Quando adulta continuará tendo muita dificuldade de expressar seus sentimentos, entre eles, contar sua história, pois aprendeu muito cedo a não expressar. A criança aprende forçosamente que tem que se calar, principalmente se é o pai quem abusou ou uma pessoa muito próxima. Também não consegue sequer pensar na possibilidade de contar para a mãe, pois sente medo de decepcioná-la e assim perder o seu amor, ainda que seja só a ilusão desse amor. Tudo isso acontece como uma forma de sobrevivência quando se é criança, mas já adulto é possível buscar ajuda. Portanto, é preciso elaborar sua história para conseguir renunciar às ilusões e ver a verdade das consequências dos maus tratos.

Pais que não sabem o que fazer diante da descoberta do abuso que sofre um filho, deve sim procurar ajuda profissional, o mesmo vale para crianças, hoje adultas, que se calaram por tantos anos e ficaram sozinhas tanto tempo com sua dor.

O conhecimento da verdade pode ser doloroso, mas como disse Alice Miller: “Os sentimentos não matam, libertam”! E quando se tem um acompanhamento com um profissional que tem esse conhecimento, onde ele próprio já trabalhou suas dores da infância, poderá se sentir acolhido e respeitado e assim, enfrentar toda sua dor.

Se quiser, acesse o site: http://todoscontraapedofilia.ning.com/, mas creio que o mais importante seja a reflexão sobre tudo isso.

Há também alguns livros sobre o assunto e que poderá ajudar:

– A verdade liberta – Alice Miller
– A revolta do corpo – Alice Miller.
Alice Miller é Ph.D. em psicologia