O fundo do poço é mesmo aqui, ou o buraco é ainda mais embaixo?

por Regina Wielenska

Muitas vezes acabamos dolorosamente encalacrados, presos a dores imensas: uma enfermidade que nos traz dor física e nos limita de modo cruel; o namoro ou casamento que implode ao descobrirmos a infidelidade (pela primeira ou enésima vez); a falta absoluta de dinheiro e dívidas pipocando de todo o lado; a morte de um filho; um amigo que agora descobrirmos ser terrível psicopata; a depressão resistente aos mais potentes recursos terapêuticos; o incêndio que reduz nosso lar a cinzas; a crise imobiliária e a falência da economia de uma nação; genocídios, estupros, escravidão.

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Sem dúvida eu poderia passar a noite arrolando infelicidades terríveis.

E aí? Fazer o quê? No auge do desespero alguns chegam até a recorrer ao suicídio, ato de profunda desesperança e muita necessidade de por fim à dor que não acaba. Não os condeno, e sinto muita tristeza. Resta-me lutar e resgatar pra vida indivíduos nessas condições. Um trabalho delicado para equipes multidisciplinares bem treinadas.

Felizmente há os que seguem vivendo quando expostos à adversidade, em condições emocionais variadas. Meu padrasto, nascido na Europa, me narrou episódios muito difíceis que viveu durante a Segunda Guerra Mundial. E vejo que depois construiu uma nova história, com a força e habilidades que lhe restaram e as condições ao seu redor. Sinais sutis denunciavam as sequelas de quem passou fome: tinha, por exemplo, dificuldade de jogar fora um pedaço de pão já duro demais, comia o que caia em seu prato, mesmo que o alimento não estivesse tão gostoso quanto imaginara ao se servir. No caso dele, o passado deixou marcas administráveis. E assim a vida seguiu.

Mas alguns sobrevivem e passam a funcionar de forma muito precária, parece que seu mecanismo de sobrevivência principal seria fugir de novas dores, mas para isso vivem pior até do que durante a desgraça que viveram. Pesadelos, flashbacks do que se viveu, afastamento da vida social, abuso de substâncias lícitas ou ilícitas, distanciamento afetivo, incapacidade de ter intimidade física ou emocional, episódios de agressividade que podem irromper sem aparente sentido, tudo isso e muito mais pode ser sinal de que houve trauma emocional e de que ele não foi processado de algum jeito mais produtivo.

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O trauma é um tipo de aprendizagem derivada do contato com um sofrimento incontrolável e devastador. Certas experiências de vida podem ser reparadoras e modificar esse estrago. Tolice pensar que a solução é esquecer o que se passou. O jeito, na verdade, é integrar a dor à vida, como um dos estados do ser, e se reconectar ao que poderemos experienciar daí pra frente. Quando nos fundimos ao trauma, como se ele fosse essencialmente a definição de quem somos, estamos em apuros. A saída é participar de outras tramas, aprender coisas novas, ensinar aos outros sobre o que vivemos e aprender a absorver cada gota de vida que surgir em nosso caminho.

Há casos em que a terapia faz parte da reconstrução, um profissional habilitado pode em muito ajudar aos que foram arrancados do trilhos da existência. Se você conhecer alguém assim, tenha compaixão e não o julgue. Docemente e com paciência, o ajude a buscar ajuda. Resgatar uma vida tem extremo valor.