Revolução por meio das hashtags: o papel das redes sociais na mobilização coletiva

por Andrea Jotta – psicóloga do NPPI

O hashtag – ou simplesmente tag – corresponde ao símbolo # presente nos teclados dos nossos equipamentos informatizados.

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Mais um dos novos códigos da era virtual, o hashtag (também conhecido como jogo da velha ou cerquilha) – que na máquina de escrever não tinha significado, passa a ter um papel fundamental nas comunicações de massa, via redes sociais.

Seu uso foi iniciado no Twitter (microblog – a rede social que usa frases instantâneas de até 140 caracteres) onde as tags são palavras-chave (relevantes) ou termos associado a uma determinada informação. Hashtags são palavras-chave antecedidas pelo símbolo #, que designam o assunto em pauta na discussão – que ocorre em tempo real – no Twitter. As tags, ou assuntos antecedidos por elas, funcionam como hiperlinks dentro da rede e passam a ser indexáveis pelos mecanismos de busca. Ao clicarmos nas hashtags, ou buscá-las em mecanismos como o Google, temos acesso a todos as postagens sobre o tema em pauta. As hashtags mais usadas no Twitter ficam agrupadas no menu trending topics (encontrado na barra lateral do microblog) que funciona como um medidor de audiência real daquele assunto, também em tempo real.

Há alguns dias o Facebook também passou a aceitar as hashtags, com funções semelhantes às do Twitter. No Instagram (rede social que possibilita a postagem de fotos instantaneamente) além das funções supracitadas, o hashtag disponibiliza e agrupa suas fotos para milhões de outros usuários, fora da sua rede pessoal. Desse modo, quando o hashtag é utilizado, possibilita-se o acesso a um número infinito de links e comentários sobre a foto que o contém e assim, quanto mais hashtags se colocam em uma foto, mais pessoas a visualizam.

As hashtags têm papel importante na difusão de conteúdos e ideias pela rede, espalhando como sinapses (conexões) as informações e conteúdos mais relevantes do ponto de vista da força de ideias compartilhadas pela massa de usuários. Desse modo foram fundamentais na organização dos recentes protestos populares, a ponto – em questão de horas – transformar o incômodo dos engarrafamentos de trânsito causados pelas primeiras manifestações em um gigantesco levante nacional.

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Frases como "desculpe-nos o transtorno, estamos mudando o Brasil", aos poucos repercutiram pelas redes sociais, potencializando as adesões dos indivíduos.

Esse processo nos faz pensar: quem são esses indivíduos, capazes de "acordar", mudar de opinião, declarar essa mudança e expressar essa atitude em questão de segundos?

PERFIL: Quem é esse jovem que faz revolução por hastags?

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Quem é esse ser humano reflexivo, rápido e desapegado de ideologias, que muda e expressa suas mais intrínsecas visões e opiniões em apenas 140 caracteres, sem culpa ou remorso?

E que ainda utiliza slogans publicitários – como "#vemprarua" (da Fiat) ou "#ogigante acordou" (do whisky RedLabel), de forma totalmente desvinculada do seu contexto publicitário original?

Netos da geração que lutou contra a ditadura militar, filhos da geração "diretas já" e dos "caras-pintadas", foram "crianças índigo" (alusão esotérica aos nascidos de 1990 em diante), criados mais sabedores de si do que quaisquer outros, tornaram-se os "adolescentes sem qualidades" (alusão ao livro Homem sem qualidades de Robert Musil que serve de base para a série "Menina sem qualidades" da MTV, que acaba de ser veiculada por essa emissora).

Adolescentes sem qualidades são frutos do nada. Como bebês recém-nascidos, se debatem no berço à procura de contornos: aprendem sozinhos a se autorregular. Têm consciência de um vazio interior e não culpam ninguém nem por essa sensação, nem por nada. Reconhecem esse vazio como parte de si mesmos, e se permitem sê-lo, sem grandes desesperos ou angústias, como algo que simplesmente existe. Não têm aspirações de preenchê-lo com trabalho, família, dogmas ou regras de fora para dentro, pois sabem que isso não acontecerá. Aprenderam a viver e conviver com suas dores, e com a falta de limites sozinhos. Criados por pais impotentes, que acreditaram que limites eram inatos – e que ainda não parecem ter entendido quais deles ensinar a seus filhos – continuam numa postura quase infantil a se revoltar contra esses.

Criados por uma geração bombardeada pela propaganda subliminar, que imputava desejos capitalistas e valores mais ligados ao consumo que a qualquer outro estímulo (ir à igreja ou à reunião de pais de escola) passam a trazer pouco retorno em relação ao tempo, tão caro, gasto com as instituições, suas regras, limites e hipocrisias.

Características tão onerosas para seus pais, para sociedade vigente, para religião ou instituições, que acabaram sendo abandonados em nome do tempo, ou da falta desse, para algo de tão pouco retorno monetário ou afetivo, para quem, como eles, já foram criados com alguma possibilidade de escolha.

Sem expectativas ou regras claras a seguir, se permitem tudo, se movem e se atraem pelo "frio na barriga", ou pela total ausência dessa sensação. Inteligentes e questionadores, aprenderam desde cedo a manipular adultos ainda presos à noção de certo e errado. A quem é permitido, e se permite viver os dois lados, sem culpa ou expectativa, como no caso da adolescência atual; já se tem um passo à frente (para não dizer uma vida de vantagem) de quem ainda se amarra a tentar fazer sempre o que a sociedade ou a propaganda lhe imputa como certo, bom ou desejável.

Sabedores de uma felicidade feita de momentos felizes, e não da felicidade eterna, desbancam a procura infindável a essa utopia e por consequência conquistam a liberdade da falta de objetivos finais. Mas, como contraponto, se tornam mais propensos a cair nas garras da angústia existencial, do vazio que se propaga sem a existência de um objetivo final.

Se a felicidade não é um lugar aonde se possa chegar, e sim momentos que permeiam minha existência esteja eu onde estiver; se a felicidade passa, assim como a angústia, a dor ou o sofrimento, deixo de ter que buscar esse lugar, chato e utópico, onde só um sentimento, no caso, a felicidade, existe.

Passo então a buscar experiências subjetivas e individuais, que preencham o meu vazio e a minha falta de contorno. Não é mais o Estado, a propaganda, a Igreja ou qualquer instituição que dita e impõe a mim, de fora para dentro, o que é bom ou ruim. É aquilo que sinto (ou não sinto), o que suporto (ou não suporto) desses sentimentos, que dita tais regras e que expressa a partir de então, minhas atitudes.

O chefe dessa tribo, o líder mais aceito, é o anonymous, personalidade sem forma, mascarado, que pode ser contra ou a favor de qualquer coisa, baseado na reverberação e repercussão do maior número de subjetivos, medidos pelo trading topics das redes socais. Não gostam das bandeiras ou dos lideres oportunistas que surgem como um exemplo do modelo antigo de liderança na tentativa de usá-los como massa manipulada, pois não é esse o caso, muito pelo contrário. Assistem pouquíssima televisão e não gostam das grandes mídias; quando essas tentam fazer o mesmo que os lideres oportunistas, rechaçam e satirizam essas tentativas. Mas aceitam com facilidade as opiniões dos artistas que de certa forma os alcançam e lançam de maneira magistral frases de efeito como: "Discutir com determinados partidos é como jogar xadrez com pombo: ele vai derrubar todas as peças, cagar no tabuleiro e sair de peito estufado cantando vitória" (frase atribuída a Lobão, retuitada e postada no Face por milhões).

Essas parecem ser algumas das características desse novo ser humano que revoluciona por meio da hashtag, mesmo sem a necessidade de saber ao certo o que reivindica; que se potencializa e se articula com a mesma facilidade com que faz o contrário. Que se move pelo incômodo, e que quer – acima de tudo – dizer aos líderes: "ok eu gosto de você, eu votei em você, mas não gosto do que tem feito".

Regida por novas regras, o mais difícil dessa revolução por hashtag, parece ter sido separar as informações reais das "paranoias" e das "trollagens" (tradução livre: zoar com o que é sério, brincadeiras). E o mais fácil, comparar as informações manipuladas na grande mídia com as fotos e os filmes captados e veiculados na web em tempo real sobre o que de fato estava acontecendo.