Você pode usar a religião a seu favor ou contra você

por Luís César Ebraico

Não sou religioso. Na verdade, sou agnóstico. Do ponto de vista clínico, o que verifico é que determinadas pessoas usam a religião a seu favor e outras usam-na contra si mesmas e contra os outros. Muitas vezes, a mesma religião. Quanto a conteúdo, acho boa parte do que dizem padres, pastores, imãs e aiatolás um amontoado de insensatez.

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Foi, portanto, para meu alargado espanto que encontrei, folheando um exemplar de "A Sentinela" (vol. 127. n° 18), revista publicada pelas Testemunhas de Jeová, um artigo intitulado "Mostre Amor e Respeito por Controlar a Língua". "Controlar a língua"!? Prato cheio para um *loganalista! Meti-me imediatamente a lê-lo e – alarga-se ainda mais o espanto! – encontro algumas afirmações absolutamente afinadas com o que defendo em meu **livro e nos "Diálogos" que venho publicando aqui. A maior parte delas apoiadas por citações da Bíblia. Vejamos:

1º. O reconhecimento – e numa revista que, segundo o editor, tem cada número com uma tiragem média de 27 milhões de exemplares! – da fundamental importância da qualidade de nossa comunicação verbal: "a maneira como você usa a língua é um assunto sério" (p. 21);

2º. A afirmação de que um adequado uso da palavra tem estreita relação com a capacidade de sermos senhores de nós mesmos. O artigo cita o apóstolo Tiago (3:2): "Se alguém não tropeçar em palavra, esse é o homem perfeito, capaz de refrear também todo o seu corpo" (ibidem)

3º. A condenação da macroscopia, considerada forma inadequada de comunicação interpessoal: "E que dizer de afirmações indiscriminadas … Não concorda que declarações do tipo "você sempre atrasa", ou "você nunca me escuta" são realmente exageros?" (Ibidem)

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4º. A proposta de que autologias – frases enunciadas na primeira pessoa verbal – substituam as heterologias – frases enunciadas nas demais pessoas verbais: "Digamos que surja um desacordo entre marido e esposa. Uma sutil mudança de 'você' para 'eu' pode evitar que um desacordo menor se torne uma discussão acalorada. Por exemplo, em vez de dizer: 'Você nunca passa tempo comigo!', por que não dizer: 'Eu gostaria que pudéssemos passar mais tempo juntos'?" (Pág. 22)

5º. A ênfase em que, na medida em que estou fazendo o essencial, ou seja, expondo meus sentimentos e desejos em primeira pessoa, ter ou não ter razão é algo secundário: "Resista à tentação de tentar provar quem está certo e quem está errado" (ibidem).

Uma verdadeira aula de Loganálise, que agora, além de se apoiar em Freud, passa a ter apoio bíblico!

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De uma coisa, contudo, discordo radicalmente, seja, da proposta, veiculada no artigo, de que, além de controlar nossa língua, tentemos controlar nossos sentimentos: "Paulo [Efésios 4:31] exortou os efésios a evitar não apenas as palavras duras, mas também os sentimentos por trás delas" (ibidem).
Sentimentos expulsos voltam a galope, sob forma de sintomas e de comportamentos destrutivos que escapam de nosso controle. ISSO, São Paulo me perdoe, NÃO DÁ CERTO!

*Loganálise: É um filhote da Psicanálise: pretende mostrar como o cidadão comum, em seu dia-a-dia, pode tirar proveito de conceitos como repressão, fixação, trauma e outros para promover sua própria saúde psicológica e a daqueles com quem se relaciona.

**livro A Nova Conversa